quarta-feira, 29 de agosto de 2012
Os Intelectuais e o Poder (Por Gilles Deleuze e Michel Foucault)
Link para ler o texto: http://cineclubedecompostela.blogaliza.org/files/2010/09/Foucault-Deleuze-Os-Intelectuais-e-o-Poder.pdf
Detalhe de uma tela de Hieronymus Bosch.
terça-feira, 21 de agosto de 2012
Gilles Deleuze: algumas divagações sobre a doxa e a representação.
Por Danilo José Viana da Silva
“(...) é normal que a filosofia moderna, que levou muito
longe a crítica da representação, recuse qualquer tentativa de falar no lugar
dos outros. Cada vez que se ouve: ninguém pode negar... , todo mundo há de
reconhecer que... , sabemos que vem uma mentira ou um slogan. Mesmo depois de
Maio de 68 era comum, por exemplo, num programa de televisão sobre as prisões,
que se fizesse falar todo mundo, o juiz, o guarda, o visitante, o homem da rua,
todo mundo menos um preso ou um ex-preso.”1
Deleuze define a doxa, o senso comum, como a imagem de
pensamento que se pressupõe a si mesma. Trata-se de um trabalho muito
importante pensar sobre tal imagem, pois ela, o senso comum, identifica-se
enquanto a gênese do próprio ato de pensar. Para Deleuze, o pensamento é uma
questão fundamental. E, neste caso, ele irá se preocupar justamente com o
problema dos pressupostos em Filosofia: não apenas dos pressupostos explícitos
ou objetivos, mas também (eis os mais perigosos) com os pressupostos implícitos
ou subjetivos.
José Gil lembra que
O projeto crítico
de Deleuze pretende ser mais radical do que todos os que o precederam, pretende
subtrair todos os pressupostos, explícitos ou objetivos e implícitos ou
subjetivos, no intuito de alcançar um verdadeiro começo. 2
Se Descartes tenta começar do zero,
ou seja, se ele tenta começar a pensar sem pressupostos ou se, como nas
palavras de Lyotard, “projeta a urbanização radical do pensamento: como no caso
da grande cidade, devem-se derrubar os restos “mal traçados” legados pelo
destino da história ao pensamento, para construir seu plano de uma vez, “desde
o começo.”3 Isso mostra que
Descartes se preocupou bastante com a questão do começo, pois, como lembra
Deleuze, “começar significa eliminar todos os pressupostos.” 4
Mas o problema que Deleuze constata
nesta proposta de Descartes (começar do zero, começar sem pressupostos) é que
ela não é assim tão radical quanto se pode imaginar. Livrar-se dos pressupostos
objetivos será uma grande meta para ele. Descartes, nas palavras de Deleuze,
irá “conjurar todos os pressupostos objetivos que sobrecarregam os
procedimentos que operam por gênero e diferença.” 5 Não é por acaso
que ele irá se recusar a definir o homem como um “Animal” “Racional”, pois se
pressupõe que já se saiba o que tais conceitos querem dizer. Assim, tratam-se
de pressupostos explícitos ou objetivos.
Entretanto, Descartes não conseguirá
se livrar dos pressupostos subjetivos ou implícitos. Deleuze lembra que no
conceito de Cogito criado por
Descartes há três pressupostos (os quais irão ser identificados por Deleuze e
Guattari em O que é a filosofia? como componentes do conceito de Cogito cartesiano) que permanecem sem
conceito:
(...) ele não
escapa de pressupostos de outra espécie, subjetivos ou implícitos, isto é,
envolvidos num sentimento, em vez de o serem num conceito: supõe-se que cada um
saiba, sem conceito, o que significa eu, pensar, ser. 6
Eu,
Pensar e Ser correspondem aos pressupostos implícitos do conceito de Cogito cartesiano: são tomados como se
todo mundo já soubesse o que significa cada um deles. É justamente este tipo de
pressuposto uma das maiores preocupações de Deleuze, pois eles atestam um tipo
de consenso universal do pensamento ao nível de um “todo mundo sabe, ninguém pode negar, é a forma da representação e o
discurso do representante.” 7
Simplesmente, tudo se desenrola como
se todo mundo já soubesse o que significa pensar, por exemplo. Este senso comum
é a forma por excelência da representação; não podemos também nos esquecer,
neste aspecto, da crítica que Michel Foucault também realiza sobre a
representação e seus efeitos mais capilares. O “ninguém pode negar que... todo mundo sabe que...” ou seja, o senso
comum é indispensável para a lógica da representação e de seu discurso.
Simplesmente, diz-se: Ele é o especialista em direitos humanos e,
como tal, ninguém pode negar que ele pode falar sobre os mais variados efeitos
de poder que os pobres e miseráveis sentem; ele, o especialista, é a pessoa
mais competente para falar dos presos, dos drogados, dos doentes; ele, o
médico, é o competente e pode falar do louco; ele, o médico, representa o louco
por completo na lógica da representação; ele, o filósofo, é o que fala a
verdade e tem afinidade com o verdadeiro...
Foucault vai se interessar mais
pelos efeitos de poder que o discurso da representação engendra no corpo, por
exemplo. Ele jamais desdenhou dos pressupostos implícitos, do senso comum e de
sua relevância para a representação. Foucault também soube combater os seus
efeitos, não é por acaso que ele soube como ninguém “a nos ensinar (como disse Deleuze ao próprio Foucault em Maio de
1972) algo fundamental: a indignidade de
falar pelos outros.”
E ele, Foucault, irá combater a
representação, na medida em que em suas pesquisas, por exemplo, jamais um
criminalista irá representar os detentos, jamais um médico irá falar pelos
loucos, antes são os próprios loucos, os mendigos, os presos que irão falar e
contar as suas experiências, eles não são mais representados ou levados a
reboque por um especialista. O combate e a crítica à representação são
problemas dos mais relevantes tanto em Deleuze quanto em Foucault. A noção de
“saberes sujeitados” que encontramos em Foucault, por exemplo, corresponde a
uma estratégia importante no combate à representação e seus efeitos:
Por “saberes
sujeitados”, eu entendo igualmente toda uma série de saberes que estavam
desqualificados como saberes não conceituais, como saberes insuficientemente
elaborados: saberes ingênuos, saberes hierarquicamente inferiores, saberes
abaixo do nível do conhecimento ou da cientificidade requeridos. E foi pelo
reaparecimento desses saberes de baixo, desses saberes não qualificados mesmo,
foi pelo reaparecimento desses saberes: o do psiquiatrizado, o do doente, o do
enfermeiro, o do médico, mas paralelo e marginal em comparação com o saber
médico, o saber do delinqüente, etc. – esse saber que denominarei, se quiserem,
“o saber das pessoas” (e que não é de modo algum um saber comum, um bom senso,
mas, ao contrário, um saber particular, um saber local, regional, um saber
diferencial, incapaz de unanimidade e que deve sua força apenas à contundência
que opõe a todos aqueles que o rodeiam) - , foi pelo reaparecimento desses
saberes locais das pessoas, desses saberes desqualificados, que foi feita a
crítica. 8
Neste caso, podemos observar que a doxa pode engendrar os mais variados efeitos,
os mais perversos efeitos, tal como, por exemplo, a denegação dos saberes
diferenciais. Tanto no pensamento
quanto, por exemplo, solapando as vozes de todos aqueles que foram e são
pisoteados e apagados mediante a representação. Eis algo que Foucault tanto
combateu.
No caso da filosofia de Deleuze, um
dos grandes problemas por ele constatado é justamente a imagem de pensamento
universal que perpassa toda a Filosofia moderna: “ele tem a forma de “todo
mundo sabe... Todo mundo sabe, antes do conceito e de um modo
pré-filosófico...” 9 Como se, por exemplo, ser e pensar fossem
sentimentos, noções que todos nós sabemos e que já se incorporou em nós,
constituindo, assim, um consenso universal. Trata-se, o senso comum, de uma “visão
moral do mundo(...)” 10 E a consequência mais perversa desta imagem
moral do mundo é o “aniquilamento” da diferença de pensar com o pensamento.
Não é por acaso
que Deleuze define, em Diferença e
Repetição, que um de seus principais objetivos é o de destruir esta imagem
universal que, por exemplo, no caso do Cogito
cartesiano (Eu penso, logo sou) “pode supor que esteja implicitamente
compreendido o universal de suas premissas, o que ser e pensar querem dizer...
e ninguém pode negar que duvidar seja pensar e, pensar, ser...” 11
Mas, vale lembrar, Descartes não é o único, pois o senso comum filosófico perpassa,
para Deleuze, toda a filosofia enquanto o pensamento da representação.
Este tipo de
pressuposto implícito perpassa toda a Filosofia: sobre a forma de um “é
evidente que...” “todo mundo sabe que...”
“ninguém negará que...” etc. O que os pressupostos implícitos em
Filosofia pressupõem é uma boa vontade
do pensador, ele pressupõem uma boa vontade que ignora o fato de que eles (os
pressupostos implícitos) se insinuam
“sub-repticiamente no discurso que é suposto criticá-lo.” 12 O pressuposto implícito corresponde a uma
imagem de pensamento pré-filosófica, trata-se do senso comum em Filosofia. E,
como lembra Deleuze,
Quando a Filosofia
assegura seu começo com pressupostos implícitos ou subjetivos, ela pode,
portanto, bancar a inocente, pois nada guardou, salvo, é verdade, o essencial,
isto é, a forma deste discurso. 13
A filosofia que parte por
pressupostos implícitos pressupõe uma comunhão de pensamento, mas o problema se
dá quando aparece alguém que não se submete ao discurso da representação;
alguém que não se
deixa representar e que também não quer representar coisa alguma. Não um
particular dotado de boa vontade e de pensamento natural, mas um singular cheio
de má vontade, que não chega a pensar nem na natureza e nem no conceito. 14
A natureza reta e a boa vontade
legitimam os discursos absolutos da filosofia e da representação, é a cogitatio natura universalis. Mas o
singular dotado de má vontade não se deixa representar e se recusa a aceitar o
que todos aceitam e concordam como evidente. Ele (o singular dotado de má
vontade) nega o que ninguém pode negar! Ele levanta questões concernentes “ao
mais radical começo (...)”.15
Afirma a Diferença!
____________________
1.
DELEUZE, Gilles. Rachar
as coisas, Rachar as palavras. In. Conversações.
Trad. Peter Pál Pelbart. – Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. P. 114
2.
GIL, José. O
Imperceptível Devir da Imanência: Sobre a Filosofia de Deleuze. Relógio
D`água Editores, Maio de 2008. P. 25
3.
LYOTARD. Jean-François. Periferia In.: Moralidades
pós-modernas. Trad.: Marina Appenzeller; revisão tec.: Roberto Leal
Ferreira – Campinas, SP: Papirus, 1996. – (Coleção Travessia do Século) p. 25
4.
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Trad.: Luiz
Orlandi, Roberto Machado, 2ª Ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006, p. 189
5.
DELEUZE, Gilles. Diferença
e repetição. Ibid
6.
DELEUZE, Gilles. Diferença
e repetição. Ibid
7.
DELEUZE, Gilles. Diferença
e repetição. P. 190
8.
FOUCAULT. Michel. Aula de 7 de janeiro de 1976. in. Em defesa da sociedade. Trad. Maria
Ermantina Galvão – São Paulo: Martins Fontes, 1999. P. 12
9.
DELEUZE, Gilles. Diferença
e repetição. Ibid
10. DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. P. 370
11. DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. P. 190
12. GIL, José. Ibid
13. DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Ibid
14. DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. P. 191
15. DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Ibid
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