terça-feira, 28 de maio de 2013
sexta-feira, 24 de maio de 2013
Diante da Lei (Kafka)
“Diante da lei está
postado um guarda. Até ele se chega um homem do campo que lhe pede que o deixe
entrar na lei. Mas o sentinela lhe diz que nesse momento não é permitido
entrar. O homem reflete e depois pergunta se mais tarde lhe será permitido
entrar. “É possível”, diz o guarda, “mas não agora”. A grande porta que dá para
a lei está aberta de par em par como sempre, e o guarda se põe de lado; então o
homem inclinando-se para adiante , olha para o interior através da porta.
Quando o guarda percebe isso desata a rir e diz: “Se tanto te atrai entrar,
procura fazê-lo não obstante a minha proibição. Mas guarda bem isto: “eu sou poderoso e contudo não sou mais do
que o guarda mais inferior; em cada uma
das salas existem outros sentinelas, um mais poderoso do que o outro. Eu não posso suportar já sequer o
olhar do terceiro. “ O camponês não espera tais dificuldades; parece-lhe que a
lei tem de ser acessível a todos, mas agora que examina com maior atenção o
guarda, envolto em seu abrigo de peles, que tem grande nariz pontiagudo e barba
longa, delgada e negra à moda dos tártaros, decide que é melhor esperar até que
lhe dêem permissão para entrar. O guarda dá-lhe então um escabelo e o faz
sentar-se a um lado, frente à porta. Ali passa o homem, sentado, dias e anos. Faz infinitas tentativas para
entrar na lei e cansa o sentinela com suas súplicas. O sentinela às vezes o
submete a pequenos interrogatórios, pergunta-lhe por sua pátria e por muitas
outras coisas, mas no fundo não lhe interessam especialmente as respostas.
Pergunta o como faria um grande senhor; e sempre termina por manifestar-lhe que
ainda não pode entrar. O homem, que para realizar aquela viagem, teve de se
abastecer de muitas coisas, emprega tudo, por mais valioso que seja, para
subordinar o porteiro. Este aceita tudo, mas diz: “Aceito-o para que não
julgues que te descuidaste de algumas coisa”. Durante muitos anos aquele homem
não afasta os seus olhos do sentinela. Esquece-se dos outros sentinelas e chega
a parecer-lhe que este primeiro é o único obstáculo que lhe impede entrar na
lei. Nos primeiros anos maldiz a gritos a sua funesta sorte, mas depois quando
se torna velho, limita-se a grunhir entre os dentes. E, como nos longos anos
que passou estudando o sentinela, chega a conhecer também as pulgas de seu
abrigo de pele, tornado outra vez à infância, roga até a essas pulgas para que
o auxiliem a quebrar a resistência do guarda. Por fim, vê que a luz que seus
olhos percebem é mais fraca e não consegue distinguir se realmente se fez noite
ao redor dele ou se simplesmente são os olhos que o enganam. Ma agora, em meio
às trevas, percebe um raio de luz inextinguível através da porta. Resta-lhe
pouca vida. Antes de morrer concentram-se em sua mente todas as lembranças e
pensamentos daquele tempo em uma pergunta que até esse momento não tinha ainda
formado ao sentinela. Como seu corpo já rígido não se pode mover, faz um sinal
ao guarda para que se aproxime. Este precisa inclinar-se profundamente pois a
diferença de dimensões entre um e outro chegou a fazer-se muito grande em
virtude do empequenecimento do homem. “Que é o que ainda queres saber?”,
pergunta o sentinela. “És incontestável”. “Dize-me”, diz o homem, “ se todos
desejam entrar na lei, como se explica que em tantos anos ninguém, além de mim,
tenha percebido fazê-lo?” O guarda percebe que o homem está já às portas da
morte, de modo que para alcançar o seu ouvido
moribundo ruge sobre ele: “Ninguém senão tu podia entrar aqui, pois esta
entrada estava destinada apenas para ti. Agora eu me vou e a fecho.” (KAFKA,
Franz. O processo.)
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