Por Danilo José Viana da Silva
Nesses dias em que
um candidato a presidência da república insiste várias vezes para que o outro
candidato “tire os olhos do retrovisor”, a crítica pascalina da razão
autofundadora pode ser tomada como uma importante ferramenta de análise.
Principalmente pelo fato de o citado candidato, no prelúdio de sua campanha,
ter se identificado várias vezes como um representante da “Onda da razão”.
Não é por acaso
que ele insiste na necessidade de se “tirar os olhos do retrovisor”, pois isso contribui para que o próprio fundamento histórico e social da razão que ele defende
como razão imaculada (e que não teria outro fundamento a não ser ela mesma)
seja esquecido. A afirmação de uma razão completamente desprovida de qualquer
fundamento histórico contribui, em grande parte, para o próprio processo de
naturalização do social e de todas as instituições que são produtos de várias
lutas sociossimbólicas. E uma razão que
se pretende absolutamente autônoma (tal como os Sumos sacerdotes da razão
imaculada defendem no período eleitoral) pode ser facilmente tomada como uma
ferramenta política para se afirmar um projeto muito mais voltado para se
ignorar as lutas sociais e históricas a partir das quais algumas das mais
preciosas conquistas de nossa civilização se tornaram possíveis, do que para se
lutar em prol da concretização do acesso as propriedades indispensáveis para a
democratização cultural.
A onda da razão
mítica, historicamente, tem muito mais a ver com a mera afirmação formal da
democracia do que com a sua concretização. E a mera afirmação formal possui
todas as características de um cinismo na medida em que, ao afirmar que “todos
possuem o direito a vida, a educação, a saúde...”, não contribui, nem minimamente,
para a democratização efetiva mediante a concretização das possibilidades de realização desses direitos
formalmente afirmados. Trata-se de um cinismo na medida em que a afirmação
meramente formal dos direitos da humanidade excluem todos os dominados das
condições de acesso a tais direitos, o que equivale a excluí-los das condições
de acesso a própria humanidade.
Olhar para o
retrovisor é uma prática necessária para compreendermos um pouco mais sobre a
nossa história, além de ser algo detestável para todos aqueles que se
autointitulam como representantes da razão imaculada e que se pretende
independente da própria história. É nesses dias que é preciso lembrar uma frase
de Pascal: “O que assenta na são razão é bem mal fundado; como a estima da
sabedoria.” (PASCAL, Blaise. Pensamentos. Abril Cultural. P. 119) Pascal
conhecia bem os perigos propiciados pela Onda da Razão Imaculada... Olhar para
o retrovisor é algo indispensável.
Um projeto político
que pretende reduzir a idade penal como forma de “combate a criminalidade”
declara o tipo de política criminal que irá por em prática, qual seja, a
neoliberal que, como lembra Wacquant, caracteriza-se pelo seguinte paradoxo:
pretende remediar
com um “mais Estado” policial e penitenciário o “menos Estado” econômico e
social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e
subjetiva em todos os países tanto do Primeiro como do Segundo Mundo. (WACQUANT.
Loïc. As prisões da miséria. 2001. P. 7)
As políticas
penais neoliberais são incompatíveis com um projeto político que pretende levar
em conta as necessidades sociais e as políticas sociais de combate à miséria e
à pobreza ( as quais correspondem as causas principais da criminalidade). As políticas de combate a criminalidade que
levam mais em conta o enrijecimento da legislação penal, tal como a redução da
idade penal, visam a implementação de
uma política de criminalização da miséria, além de mostrar a sua indiferença
para com as políticas sociais no que diz respeito ao combate a criminalidade.