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sábado, 30 de junho de 2012
quarta-feira, 27 de junho de 2012
Algumas considerações sobre a microssociologia do direito de Gabriel Tarde.1
Por Danilo José
Viana da Silva
“Os historiadores,
em geral, fazem história sem levar em conta esses grandes furacões de imitação
fervorosa que, de tempos em tempos, se erguem inevitavelmente e rompem ou
deformam todos os costumes à sua passagem. Seria o mesmo que tentar fazer
meteorologia sem falar dos ventos.” 2
O sociologismo
caracteriza-se pelo estabelecimento de grandes sistemas de representação do
social, do qual as ações dos agentes seriam tomados como seus reflexos. E é
justamente esta forma de pensar e investigar o social que é recusada e
criticada por Gabriel Tarde.
Esta recusa e
crítica é um ponto marcante nos estudos sociológicos que realizou sobre as
transformações do direito. Para Tarde, conceber uma grande conjectura capaz de
estabelecer a priori fases
invariáveis que seriam religiosamente cumpridas e que disciplinariam todas as
transformações, todas as variações imperceptíveis, enfim, toda uma realidade em
constante movimento, corresponde a uma grande imprecisão, a qual foi durante
longo tempo levada a cabo pelo positivismo.
Mas, não são apenas
críticas que encontramos nos estudos que ele realizou sobre as transformações
do direito: ao invés de partir dos grandes e invariáveis sistemas de
objetivação e representação, Tarde irá dar muito mais atenção aos detalhes, às
exceções, às relações, aos agenciamentos entre as forças que formigam no e o
social, às variações que foram ignoradas em nome das grandes prévias
arquiteturas do pensamento em estado flutuante.
As transformações
do direito jamais são vistas como a confirmação do que já estava previsto pelas
conjecturas; elas, as transformações, jamais são concatenadas numa
unilinearidade que atestaria o homogêneo onde não param de florescer todo um
emaranhar de diferenças nunca estáticas e plenamente capturadas ou capturáveis
pelos jogos de identidade.
Neste sentido, ele
diverge de todo um legado da sociologia positivista de sua época. Ele irá
recusar os grandes e totalizantes sistemas para se pensar o social, pois tais
são insuficientes para se pensar toda uma realidade transbordante, toda uma
realidade movimentada pelos agenciamentos subterrâneos, os quais jamais podem
ser previstos pelos grandes e invariáveis sistemas de pensamento.
Neste diapasão,
por exemplo, se um sociólogo pretende investigar o cotidiano forense na cidade
do Recife, ele jamais deveria partir de uma grande prévia conjectura que mapearia
todas as relações, todas as
ações dos agentes socais.
Tal prévio
mandamento místico iria fazer das ações dos agentes, mesmo sendo os que estão
investidos de determinada competência para ingressar no campo jurídico, seus
meros reflexos. Os agenciamentos subterrâneos, as relações que jamais são
abarcadas por um grande sistema de representação, jamais podem ser ignorados.
As novas práticas, as modas que são disparadas no cotidiano
forense e que o movimenta, jamais podem ser desconsideradas em um estudo
microssociológico, as relações de força, as relações de interesses que ocorrem
independentemente de uma prescrição legal, jamais poderão ser ignoradas.
Compreende-se que as instituições jamais são tomadas como um sistema estático,
cujo movimento e ações corresponderiam a meros cumprimentos do sistema estático
tomado a priori; elas, em Tarde,
correspondem a realidades em estados transitórios em devir; elas, as
instituições, não param de ser movimentadas pelas ações dos agentes, os quais
jamais são tomados como cumpridores, no todo, dos grandes sistemas vistos como
condições de possibilidade para o próprio pensamento.
O social, em Tarde, jamais é tomado
como um sistema estático e completamente estável; se há estabilidade, esta
jamais pode ser vista como um estado pleno e completo, mas como um estado transitório
e parcial, nunca total. Trata-se de um estado transitório constantemente
movimentado pelas inumeráveis relações de força que embaralham as
representações, os grandes sistemas estáticos da ordem.
A sociedade e o direito jamais são
vistos como realidades estáveis e bem equilibradas, mas como realidades em
transe, em constante movimento, o qual jamais pode ser enquadrado em uma
arquitetura invariável, em uma sobrecodificação. As transformações do direito,
para Tarde, jamais correspondem a meras confirmações dos grandes mandamentos
positivistas que, do exterior da vida, estabeleceram a história como o
cumprimento de fases invariáveis e com todas as séries convergindo para o mesmo
fim.
Em Tarde, podemos pensar as
transformações do direito como resultantes de pequenos atos de criação, os
quais podem, a depender das necessidades sentidas em determinada época, reinar
durante um longo tempo, na medida em que substitui as ideias reinantes
anteriormente, ou, então, fortalecer determinadas ideias reinantes. Assim, as séries jamais são condicionadas à
uma prévia convergência. As ondas de
imitação podem tanto convergir quanto divergir da anterior.
A história pode ser vista como um verdadeiro campo de relações de força.
Tarde também dará toda uma atenção
às invenções anônimas que ficam durante milhares de anos em estado de latência,
assim como um vírus, no interior do corpo social, mas que a qualquer momento
podem irromper e ser propagados como uma labareda de fogo em um pasto ou como
uma pedra que uma vez jogada na água parada gera inumeráveis ondas. Um pequeno
ato de criação é o responsável por toda uma onda de imitação que se engendra,
pelas ações dos agentes, no corpo social.
Uma invenção corresponde a força que
não pára de vibrar o e no corpo social, o direito, conforme sejam mais ou menos
propagadas pelas ações dos agentes sociais via contágio imitativo. Tome-se como
exemplo a criação do sistema de Freios e
contrapesos, que uma vez surgido na célula no interior de um cérebro de um
criador jamais autônomo foi propagada, desdobrando-se conforme as mais variadas
culturas e tradições que a incorporou.
Ou seja, uma criação, uma nova ideia
corresponde a um germe, a um vírus que uma vez disparado pode engendrar novos
hábitos de pensamento. O problema consiste justamente na naturalização,
realizada pelas ações dos próprios agentes sociais, de uma forma de pensar. Tal
forma de pensar acaba sendo incorporada de tal maneira que o novo é visto como
uma grande ameaça, como algo que deve ser constantemente evitado. Eis um dos
grandes perigos que tanto preocupou Nietzsche e autor em estudo: a sociedade de rebanho.
Nenhum hábito, nenhum costume brota
subitamente da esfera do finito, pois ele corresponde a uma resultante de uma
infinidade de relações microscópicas e infinitesimais no interior de um
cérebro, por exemplo, do que há algo já dado na natureza das coisas. A ordem, o
direito, jamais pode ser visto como algo produzido no e do exterior das
relações de força, das relações de interesse, ou seja, da própria vida. Tarde,
assim como Nietzsche e Spinoza, diz sim a vida: não afirma a transcendência
como a ordenadora do mundo.
Em outras palavras, é no interior da
e pela própria vida que a ordem é produzida e reproduzida. O direito jamais é
visto como produto da transcendência ou como ela própria, mas como imanência,
como uma resultante das relações de interesses, das ondas de imitação, dos
fluxos de racismo, dos interesses das mônadas dominantes, dos agenciamentos
entre as mais variadas forças que transbordam e, até mesmo, embaralham o corpo
social, de atos de resistência, de
toda uma realidade metamorfoseante em devir, das relações de
influência mútua, das interpenetrações entre os corpos, entre as
opiniões, das influências e interesses propagados pela mídia que produzem
subjetividades, modos de pensar e agir e novas leis. Enfim, de toda uma
realidade transbordante que não pára de diferir.
O direito jamais
pode ser visto como um produto puro, longe das influências midiáticas, dos
interesses, dos ritos, do sagrado; em outras palavras, o direito, para Tarde,
corresponde também a uma mescla, a uma mistura entre as mais variadas crenças,
interesses; trata-se de uma verdadeira mistura, um verdadeiro contágio de
práticas e modos de pensar. Eis um ponto que o diferencia de todo um legado do
positivismo jurídico, o qual afirmou o direito, na modernidade, como uma ordem
com um grande grau de autonomia frente as outras ordens, como uma ordem que não
é mais mesclada com outros sistemas normativos.
Em Tarde, não há direito, costume,
ordem, hábito que reine para sempre, pois a qualquer momento ele pode ser
destronado por uma nova onda de imitação impulsionada por um germe de uma nova
ideia disparada no social, assim como uma pedra que é arremessada na calma água
e que gera inumeráveis ondas.
______________________
1.
Com exceção da citação de Tarde, trata-se apenas das Considerações
Finais (conclusão) da minha monografia defendida em 12/05/2012.
2.
As Transformações
do Direito. Trad. Maristella Bleggi Tomasini. Ed.: Supervirtual. http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/tarde.html.
P. 144
sexta-feira, 15 de junho de 2012
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