sábado, 29 de outubro de 2016

Sobre "Melancolia do Poder" de Vladimir Safatle.



Por Danilo José Viana da Silva


Muito interessante, debate louvável. Porém, gostaria apenas de fazer alguns questionamentos que as vezes, por conta do conforto escolástico que a vida acadêmica pode nos propiciar, são ignorados ou esquecidos:   Quais são as condições sociais de produção dessa potência afirmativa da imaginação? Em outras palavras, será que essa potência é pensada de forma equivalente ao bom senso que, segundo Descartes, “é a coisa mais bem distribuída do mundo”? 

Quando se pergunta sobre as condições sociais de produção da imaginação, da resistência política e da tomada de consciência, o que acaba entrando em jogo é justamente a questão referente a quais probabilidades de as pessoas que vivem em um contexto de miséria e pobreza extremas (tal como aquelas retratadas no documentário “Garapa” https://www.youtube.com/watch?v=Cz76iw4r2_I ) chegarem ao nível de uma imaginação polítcia que pressupõe uma certa inclinação e cultura políticas para a resistência em contraposição a resignação. 

Em outras palavras, como ficaria o caso daqueles e daquelas que, historicamente retratados em diversas obras literárias e artísticas, tais como “Vidas Secas” de Graciliano Ramos e nas obras de Portinari, derrotados pelo sol escaldante e moralmente humilhados em uma situação de aguda desigualdade econômica e social, e que, sem expectativas nem sobre o presente ou sobre o futuro, foram desapossados das oportunidades de fazer parte da própria atuação efetiva na política? Como ficaria a condição dos mutilados socialmente e simbolicamente, daquelas pessoas submetidas, pela situação degradante em que vivem, a um estado de invisibilidade cívica”? 

Esse problema nos leva também a perguntar o seguinte: para quem esse discurso é realizado? Para aqueles e aquelas que, pelo fato de terem um acesso considerável a uma educação e a um capital cultural e social para a luta política, em contraposição a resignação, podem efetivar essa resistência? Quais as condições sociais da “experiência da intervenção política” e da “indignação política”? 

Como explicar a situação de todos e todas que, por não poderem perder uma “crença” que nunca tiveram, justamente pelo fato de estarem desapossadas das condições de acesso a cultura política necessária para se acreditar na política, estão relegadas a uma vida mutilada e que sofrem os efeitos do que o próprio Safatle chega a chamar, no debate, de “princípio de exclusão brutal”? Se pensarmos de acordo com a relação gangorra entre os conceitos de ‘Saída’ e ‘Voz’ desenvolvidos por Hirschman, como explicar a falta de opções de ‘Saída’ para todos aqueles e aquelas que dependem dos serviços públicos de saúde e educação, e como explicar que, mesmo diante da eminente aprovação da PEC 241, as camadas mais pobres e estigmatizadas ainda não exerceram com vigor, diante do perigo eminente, a ‘Voz’, a resistência e exigência de melhores serviços públicos? Quais as condições sociais de produção da ‘Voz’, da resistência política? 

Para aqueles e aquelas que, por viverem em situações degradantes, dependem de uma prestação maior e mais eficiente dos serviços públicos  de saúde, educação  e assistência, a opção pela ‘Saída’, ou seja, a opção por não utilizar mais esses serviços tendo em vista a sua prestação degradante, pode ter como efeitos a desnutrição, a fome e a morte.