Arte: "Alegoria do Bom Governo" de Ambrogio Lorenzetti
Por Danilo José Viana da Silva
Em um momento em que parece haver uma intensificação dos movimentos e
das ações sociais em prol dos direitos das minorias e dos estigmatizados
socialmente, observa-se um tipo de reação, de intensificação das forças reacionárias
apoiadas no gospel pentecostal da teologia da prosperidade. O fato de a
vereadora mais bem votada em Recife ser uma representante das pautas
pentecostais contra, por exemplo, as lutas travadas pelos movimentos feministas,
e a vitória eleitoral de Marcelo Crivella para o posto de prefeito do Rio de
Janeiro, podem ser vistos como exemplos patentes dessa reação conjunta e
eficiente.
Mas, para que esse efeito de reação não fique reduzido a imagem dos pináculos
do mundo político, é preciso mencionar que no interior de Pernambuco, em alguns
municípios, temas e músicas pentecostais há muito são utilizados nas propagandas
eleitorais como formas de transfiguração dos projetos de poder que, via de
regra, viabilizam vantagens para uma ou outra das famílias na luta pelo poder político
municipal. Essa tonalidade pentecostal da campanha eleitoral acaba contribuindo
para que os candidatos passem uma imagem para a população de que o poder político
corresponde a uma continuação do poder de Deus na terra.
Não se pode esquecer
também a imagem do poder político que esses lideres acabam veiculando: o
poder político é tomado como um tipo de
ordem mundana e terrena que corresponde, na verdade, a uma continuação da ordem
divina e celestial. Através de toda uma ordem escalonada e hierárquica onde, no
ápice haveria Deus e a ordem celestial, passando pela Igreja e a ordem hierocrática
até chegar ao poder político e mundano ( um dos poderes mais baixos na ordem escalonada
da cosmologia e propício a se corromper e que por isso deveria se submeter
aos preceitos da Igreja), essa corrente reacionária pentecostal pode buscar suas
bases ideológicas em uma imagem cosmológica do mundo.
Na própria retórica da advogada
Janaina Paschoal no processo de Impeachment pode-se observar vários elementos típicos
das pregações pentecostais e de cura das
almas, tais como a entonação, a hexis corporal... Sendo assim, o próprio processo
de Impeachment pôde ser justificado como uma continuação da vontade de Deus na
terra e a Constituição Federal pôde ser tomada como um “livro sagrado que o PT
não assinou”, pois atrelado a toda essa cosmologia está todo um processo de
demonização do PT e da esquerda reconhecida como defensora dos direitos das minorias. Observa-se
o quanto os próprios partidos acabam sendo reconstruídos a partir de esquemas
religiosos com enfoque na mística pentecostal. Observa-se o quanto as próprias pautas
que não se enquadram nos esquemas do gospel pentecostal podem ser tomadas como
um tipo de encarnação do demônio na terra. É sintomático que, por exemplo, um
dos mais conhecidos e polêmicos porta-vozes nacionais dessa ideologia tenha
chegado a comemorar a vitória eleitoral de Crivella como uma vitória contra “o
capeta”.
A ordem social terrena é tomada como uma continuação da ordem divina
como, diria Weber, uma “Teodiceia da sorte dos dominantes”, e, como tal, o que
acontece no mundo pode ser transfigurado pela mística pentecostal. Neste ritual,
como em muitos outros, a histeria pode ser vista como parte componente. A parcela
de autonomia do campo político, que requer que os problemas políticos sejam
tratados de acordo com os esquemas constitutivos do habitus político, está em xeque, e isso não é de hoje. A
reconstrução teológica das relações de concorrência política pode ser visto
como uma forma consideravelmente eficiente de dissimulação da dominação política
e econômica que não se mostra enquanto tal, mas enquanto continuação da vontade
de Deus na cadeia do Ser.