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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
sábado, 23 de novembro de 2013
Pierre Bourdieu: algumas divagações sobre os espíritos de Estado
Por Danilo José Viana da Silva
Na medida em que
aqueles que pretendem pensar o Estado empregam os esquemas jurídico-estatais de
pensamento, os resultados de tal pensamento cumprem os mais importantes
requisitos para a ratificação da doxa,
ou seja, dos pressupostos incorporados e compartilhados por todos aqueles que
não conseguem pensar o Estado a não ser por ele mesmo e que se sentem
autorizados para emitir os mais diversos julgamentos sobre as pesquisas que não
estão em conformidade com as categorias jurídico-estatais de pensamento.
É assim que os que
não conseguem pensar o Estado a não ser mediante os esquemas jurídico-estatais
de pensamento consideravelmente compartilhados (correspondendo, assim, a um típico
exemplo de senso comum) podem se sentir
com a autoridade
de dar crédito às análises propostas, com a condição de que estas despertem os
pressupostos de sua sociologia espontânea, mas que são levados, por essa mesma
razão, a contestar a validade de uma ciência que eles só aprovam na medida em
que ela coincide com o bom senso.1
O habitus, enquanto um conjunto incorporado (aquém de um plano ou
intenção plenamente consciente para tal) de categorias de percepção e
apreciação do mundo social, corresponde a uma noção que (no que diz respeito ao
necessário trabalho de vigilância epistemológica que o cientista social deve
realizar sobre si mesmo) exige que as categorias a partir das quais o Estado é
frequentemente pensado sejam postas em questão.
É neste sentido que, como Bourdieu
adverte,
Tentar pensar o
Estado é expor-se a assumir um pensamento de Estado, a aplicar ao Estado
categorias de pensamento produzidas e garantidas pelo Estado e, portanto, a não
compreender a verdade mais fundamental do Estado.2
Na medida em que a pesquisa que se
pretende científica sobre o Estado pensa este mediante os esquemas estatais e jurídicos
de percepção, tal pesquisa nada mais realiza que a reprodução de um pensamento
de Estado, ou seja, o Estado pensa a si próprio mediante os pesquisadores que,
neste caso, podem ser concebidos como a incorporação do Estado justamente por
não conseguirem pensá-lo sem as categorias estatais e jurídicas de pensamento.
Para o desenvolvimento de uma
pesquisa científica sobre o Estado tais categorias estatais representam um
verdadeiro obstáculo epistemológico na
medida em que ao empregá-las corremos o sério risco “de ser pensados por um
Estado que acreditamos pensar.”3
Em outras palavras, o Estado não
existe apenas como exterioridade, mas também como interioridade. Como lembra
Wacquant a propósito da sociologia de Bourdieu,
O Estado não
existe apenas “lá fora”, mascarado em burocracias, autoridades e cerimônias:
ele também vive “aqui dentro”, indelevelmente gravado em todos nós sob a forma
das categorias mentais sancionadas pelo Estado e adquiridas pela escolarização.
4
As escolas e as universidades
enquanto instâncias incumbidas, em grande parte, pelo Estado do trabalho de
inculcar as categorias de percepção reconhecidas como legítimas mediante as
quais o mundo social é inconscientemente construído pelos agentes não podem ser
ignoradas na medida em que se pretende investigar o processo sóciosimbólico mediante o qual os esquemas jurídico-estatais
foram adquiridos ( aquém de uma intenção plenamente consciente para tal) pelos
agentes sociais, seja na mais tenra idade, como na escola, seja a partir do
ingresso no universo universitário, responsável por produzir o corpo
especializado de profissionais autorizados pelo Estado, o qual garante
determinado capital cultural para o exercício de determinada função mediante a
emissão de diplomas oficiais com eficácia simbólica suficiente para fazer valer
a posse de uma cultura que independe da contingência existencial, que independe
da constante prova.
A importância do trabalho de
questionamento dos esquemas de percepção incorporados durante uma longa trajetória
vem encontrar um reforço justamente no fato de que tais esquemas estatais são
inculcados desde o período mais precoce de nossa educação, seja em uma família burguesa,
seja na escola, onde as posturas corretas são impostas, as regras legitimas da gramática
oficial são inculcadas, etc.
É só com a ilusão da existência de
um pesquisador plenamente consciente de “seus” atos que o necessário trabalho
de vigilância epistemológica ( a
qual vem encontrar uma de suas formas de realização no constante questionamento
das categorias mediante as quais pensamos o mundo social) pode ser ignorado.
O trabalho de inculcação das categorias
estatais de pensamento e de ação pelas instâncias autorizadas pelo Estado
corresponde, neste caso, a um dos princípios de explicação do efeito de
homogeneização relativa necessária para o funcionamento das instituições burocráticas
e jurídicas.
É a aquisição de princípios
produtores de práticas e de esquemas de percepção consideravelmente
homogeneizados que permite que as práticas relativas a determinada instituição
estatal sejam orientadas, aquém de um plano plenamente consciente, para
determinados fins. É “a harmonização objetiva dos habitus (...) o que faz com que práticas possam ser objetivamente
afinadas na ausência de qualquer
interação direta e, a fortiori, de qualquer concertação explicita.”5
É justamente o trabalho de imposição,
o qual não é reconhecido como tal, dos esquemas jurídicos-estatais que permitem
que os mais acirrados confrontos doutrinários entre, por exemplo, os juristas,
sejam realizados: na verdade, trata-se de um dos efeitos de uma formação
relativamente homogeneizada que possibilita o acordo entre os juristas
discordantes, acordo que é necessário para que eles possam se confrontar sobre
as questões juridicas.
Tratam-se de pares-concorrentes na
medida em que todos eles disputam e jogam um jogo que, para eles
(consideravelmente envolvidos), vale a pena ser jogado. Trata-se de uma concordância
tácita sem a qual a própria discussão não existiria. Em outras palavras, tal concordância
tácita, enquanto condição do jogo ou luta onde os esquemas jurídicos e estatais
são empregados, pode ser definido como um senso comum, no sentido de um senso
consideravelmente compartilhado pelos envolvidos.
Como lembra Bourdieu
O senso comum é um
fundo de evidências partilhadas por todos que garante, nos limites de um
universo social, um consenso primordial sobre o sentido do mundo, um conjunto
de lugares comuns (em sentido amplo), tacitamente aceitos, que tornam possíveis
o confronto, o diálogo, a concorrência,
até mesmo o conflito, e entre os quais cumpre dar um lugar à parte aos
princípios de classificação, tais como as grandes oposições que estruturam a
percepção do mundo.6
Tais como os esquemas mediante os
quais determinadas práticas podem ser reconhecidas e classificadas como legais
ou ilegais, legitimas ou ilegítimas, oficiais ou oficiosas, etc. Estes esquemas
classificatórios empregados nas mais diversas lutas entre agentes cujas competências
são garantidas pelo Estado são produtos “da incorporação de estruturas das
distribuições fundamentais que organizam a ordem social (estruturas
estruturadas). Sendo por conseguinte comuns ao conjunto dos agentes inseridos
nessa ordem, eles viabilizam o acordo em meio ao desacordo de agentes situados
em posições opostas.”7
Tratam-se de evidências
compartilhadas pelos envolvidos na luta pelo reconhecimento, evidências que não
podem ser recusadas sem que a própria luta seja comprometida. Um dos indícios mais
presentes do senso comum compartilhado pelos concorrentes cúmplices pode ser
expresso a partir do “escândalo suscitado por qualquer questionamento das evidências
fundantes, essa crença primordial encontra-se bem mais profundamente arraigada,
mais “visceral” e, por conta disso, muito mais difícil de desentranhar do que
as crenças explícitas e explicitamente profanadas no campo.”8
E por corresponder a um conjunto de
esquemas, de princípios de visão que encontram-se em estado incorporado e subtraídos
do espaço do que pode ser pensado e questionado, que o trabalho de vigilância epistemológica
sobre si deve ser constantemente posto em prática por todos os que pretendem
pensar rigorosamente o Estado.
Caso contrário, a pesquisa nada mais
faz do que ratificar o senso comum, ou seja, o pensamento de Estado, as crenças
compartilhadas pelos envolvidos em determinado universo social. É neste sentido
que o cientista deve realizar uma verdadeira auto-subversão sobre o seu próprio pensamento, tal como constantemente
fazia Albert Hirschman sobre o sistema conceitual que ele mesmo desenvolveu. 9
É neste sentido, ou seja, submetendo
os próprios esquemas de percepção mediante os quais a construção (realizada
muitas vezes inconscientemente) do mundo e da ordem social é realizada, que uma
pesquisa sobre o Estado pode encontrar-se mais próxima da orientação pelo que
Gaston Bachelard conceitualiza de vigilância epistemológica sobre si, a qual
corresponde a uma característica indispensável de um espírito verdadeiramente
científico, o qual exerce constantemente “uma atividade de autocrítica, ou
melhor, de autocriticismo.”10
E a necessidade de relembrar a importância
da vigilância epistemológica sobre si está ligada ao fato de o obstáculo epistemológico
representado pelo pensamento de Estado, ou seja, o ato de pensar o Estado a
partir de categorias produzidas e garantidas pelo Estado, ser um dos
instrumentos mais importantes para a reprodução da ordem social e estatal. O
pensamento de Estado corresponde a um exemplo de como o Estado pode se pensar e
se reproduzir mediante os próprios agentes produzidos, em grande parte, por ele.
É assim que a sociologia de Bourdieu permite se pensar não apenas uma dominação
física, mas também mental.
E os juristas tiveram, como agentes estatais, um considerável papel no que tange a construção do Estado mediante as
categorias de percepção por eles produzidas. Como lembra Bourdieu,
Fictio júris, o Estado é uma ficção de juristas que
contribuem para produzir o Estado ao produzir uma teoria do Estado, um discurso
performativo sobre a coisa pública. A filosofia política que produzem não é
descritiva, mas produtiva e preditiva de seu objeto (...) O jurista, senhor de
um recurso comum, as palavras, os conceitos, oferece os meios de pensar
realidades ainda impensáveis (como, por exemplo, a noção de corporatio), propõe todo um arsenal de
técnicas organizacionais, de modelos de funcionamento (...) 11
______________________
1. BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean-Claude;
PASSERON, Jean-Claude. Ofício de
Sociólogo: metodologia da pesquisa na sociologia. Trad. Guilherme João de Freitas
Teixeira. 6ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. P. 36
2. BOURDIEU,
Pierre. Espíritos de Estado: gênese e estrutura do campo burocrático. Razões Práticas: Sobre
a teoria da ação. Trad. Mariza Corrêa – Campinas, SP. Papirus. 1996.p. 91
3. Ibid
4. WACQUANT, Loïc. Indicadores
sobre Pierre Bourdieu. In.: O mistério
do ministério. Org.: Loïc Wacquant. Trad. Paulo Cezar Castanheira – Rio de
Janeiro: Revan, 2005. P. 31
5. BOURDIEU, Pierre. Esboço de uma
teoria da prática. In.: Pierre Bourdieu:
sociologia. Org.: Renato Ortiz. Trad. Paula Montero e Alícia Auzmendi. –
São Paulo: Ática, 1983. P. 68
6. BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalianas. Trad. Sergio
Miceli. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil , 2007. P. 118-119
7. BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalianas. P. 119
8. BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalianas. P. 123
9. Um considerável questionamento a
que Hirschman submeteu os seus próprios conceitos e as relações entre eles, tal
como a relação entre os conceitos de Saída
e Voz , para citar apenas um
exemplo, pode se encontrada em HIRSCHMAN, Albert O. Auto-subversão: teorias consagradas em xeque. Trad. Laura Teixeira
Motta. – São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
10. BACHELARD, Gaston. O racionalismo aplicado. Trad.
Nathanael C. Caixeiro. – Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1977. P. 39
11. BOURDIEU, Pierre. Da casa do rei à razão de
Estado: um modelo da gênese do campo burocrático. In.:WACQUANT, Loïc. O mistério do ministério. P. 63
terça-feira, 16 de julho de 2013
Pierre Bourdieu: algumas divagações sobre O processo de Kafka e a manipulação do tempo
Por Danilo José Viana da Silva
Em Meditação
pascalianas Bourdieu realiza algumas interpretações bastante interessantes
sobre O processo de Kafka. No
presente e superficial texto iremos apenas tratar da problemática relativa ao
poder de manipulação do tempo dos outros (um dos efeitos da dominação
simbólica). Tendo ciência de que a sociologia reflexiva de Bourdieu
corresponde, em grande parte, a uma ruptura com a sociologia espontânea, na
qual a utilização das mais diferentes obras acaba reproduzindo “um
empreendimento análogo ao dos teólogos ou canonistas da Idade Média que reuniam
em suas enormes Sumas o conjunto dos
argumentos e questões legadas pelas “autoridades” (...) 1, é
relevante, assim pensamos, lembrar que o
fato do citado sociólogo lançar mão de O processo de Kafka tem como um de seus mais importantes
fundamentos uma linha teórica que permite “escapar do ecletismo puro e
simples.”2
Em outras palavras, ele retoma O processo para, em certa medida,
retomar, em Meditações pascalianas, algumas
problemáticas que já foram tratadas em sua sociologia. É justamente para se
pensar um dos efeitos da dominação simbólica, ou seja, a dominação do tempo dos
outros exercida pelos dominantes em determinado campo, que a citada obra de
Kafka é retomada em determinado momento.
O poder sobre o tempo dos outros e
sobre a administração de posições no interior do campo universitário foi
analisado por Bourdieu em Homo
Academicus. Esse poder sobre o tempo dos outros (o qual não deve ser tomado
como um poder exercido de forma plenamente consciente para a realização de tal
dominação, pois corresponde a um efeito do habitus
enquanto sentido do jogo incorporado, enquanto ethos incorporado, enquanto regra feita corpo)
supõe talvez antes
de tudo uma arte de manipular o tempo dos outros, ou mais precisamente, o ritmo
de sua carreira, de seu curso, de acelerar ou de adiar realizações tão
diferentes quanto o sucesso nos concursos ou nos exames, a defesa de tese, a
publicação de artigos ou de obras, a nomeação nos postos universitários, etc.
E, em contrapartida, essa arte, que também é um das dimensões do poder, com freqüência
só se exerce com cumplicidade mais ou menos consciente do impetrante, mantido
assim, às vezes, até um idade bem avançada, na disposição dócil e submissa,
enfim, um pouco infantil – o diretor de tese, na Alemanha, se chama Doktorvater,
“pai de doutor – que caracteriza o bom aluno de todas as idades. 3
Esse poder que corresponde a uma verdadeira
arte de manipular, aquém do cálculo cínico e plenamente racional ou orientado
para este fim, o tempo dos outros, e que é exercido pelos detentores do poder
universitário (e dos detentores das posições privilegiadas) no interior do
campo universitário é um bom exemplo para se compreender as incertezas, as angústias,
as ansiedades sentidas por quem está, em grande parte, entregue “ao arbítrio de
um chefe”4, tal como ocorre com o próprio Josef K. Neste sentido,
como lembra Bourdieu, O processo é “um
modelo bastante realista dos campos de produção cultural, em que se exercem
poderes os quais, a exemplo dos da ordem universitária, têm como princípio o
controle sobre o tempo dos outros.” 5
No inicio do romance K. não se preocupa
de imediato com o suposto processo do qual ele era acusado, depois ele entra,
pouco a pouco, no jogo que se “caracteriza por um grau muito elevado de
imprevisibilidade: não se pode confiar em nada.” 6 Trata-se de um jogo onde tudo pode acontecer,
onde as instituições encarregadas de velar e de reproduzir a ordem não
conseguem dissimular o arbitrário que as fundamenta. O próprio tribunal é “o
lugar por excelência do arbitrário, que se afirma como tal, sem sequer se dar o
trabalho de se dissimular. Por exemplo, o Tribunal censura pelo atraso quando
ele mesmo está sempre atrasado (...)” 7
Diante desse poder instituído, K.
pouco pode fazer contra a sua submissão, principalmente pelo fato de que aos
poucos ele entra no jogo onde o próprio advogado manipula suas esperanças e as
expectativas, “embalando-o com vagas esperanças e atormentando-o com ameaças
imprecisas.” 8 K. experimenta
uma angústia à altura do paciente de hospital , para quem o médico diz “ora uma
coisa ora outra, inquietando, logo em seguida tranquilizando (...)” 9
Trata-se também de uma possibilidade de
se repensar as lógicas das próprias Instituições
Totais, para utilizar uma noção de Goffman 10, tais como as
prisões, os conventos, os manicômios, ou, até mesmo, as escolas, as
universidades, os hospitais, as instituições burocráticas, algo possível de se
retomar a partir da própria obra de Kafka.
Em O processo as situações de incerteza e de investimento são levadas
ao extremo, onde “a exemplo do que se passa num regime despótico, não há mais
limites ao arbitrário e a imprevisibilidade (...)” 11 Trata-se de uma situação extrema onde o poder
de manipulação das aspirações enseja o investimento de todos os móveis. Para
além dessa situação extrema, esse poder de manipulação só é possível, em certa
medida, com a cumplicidade de suas próprias vítimas, seja no campo jurídico, no
campo universitário, esse poder de manipular o tempo dos outros “só consegue se
instaurar com a cumplicidade (extorquida) da vítima, e de seu investimento no
jogo.” 12 Trata-se de um dos efeitos mais característicos da dominação
simbólica, ou seja, o efeito brutal que corresponde ao fato de os próprios dominados
tenderem a reproduzir a lógica de sua própria dominação.
Na medida em que K. está submetido a
manipulação do seu tempo, ele encontra-se em uma situação de extrema
insegurança e incapacidade de atribuir sentido a sua própria vida. A apropriação
da cultura dominante enquanto “a” cultura legítima (aliás, esta também é a
maneira, em certo sentido, a partir da qual ela se vê), já que estamos também refletindo
sobre o campo universitário, é o capital mediante o qual os dominados são condenados
“a viver num tempo orientado pelos outros (...)” 13
No caso do campo universitário isso
é compreensível na medida em que os que ocupam posições dominantes em seu interior
possuem diplomas universitários, os quais, segundo Bourdieu, correspondem a
verdadeiros “títulos de nobreza cultural”14 com eficácia simbólica suficiente atribuída pelo
Estado para fazer existir aquilo que está enunciado no próprio diploma em
conformidade com o seu próprio enunciado (eis um dos efeitos performativos dos títulos
universitários).
Portanto, na
definição tácita do diploma, ao assegurar formalmente
uma competência específica (...), está inscrito que ele garante realmente a posse de uma “cultura geral”,
tanto mais ampla e extensa quanto mais prestigioso for esse documento; e,
inversamente, que é impossível exigir qualquer garantia real sobre o que ele
garante formal e realmente, ou, se preferirmos, sobre o grau que é a garantia
do que ele garante. 15
Diferentemente dos autodidatas e dos
desprovidos dos diplomas, os quais devem a todo o tempo mostrar, dar provas de
sua cultura, os que possuem os diplomas consagrados pelo Estado possuem a
garantia estatutária, não apenas universitária, da cultura legítima e não estão
sujeitos a contingência relacionada a necessidade de ter que por a prova o seu
capital cultural formalmente garantido (Um típico exemplo onde, a partir dos
efeitos do capital simbólico, a essência precede a existência, pois independentemente
das constrições da existência, a cultura garantida daquele que possui o título
define o próprio possuidor, ele é o
que o diploma enuncia e garante, independentemente da contingência existencial).
Na medida em que
esses títulos de nobreza cultural asseguram um poder sobre o destino dos
dominados no interior do campo universitário, tais títulos permitem se jogar
com a angústia dos outros e impulsionar, juntamente com a lógica da concorrência
entre os pares, os mais diversos investimentos no jogo universitário, por
exemplo; fazendo com que os próprios dominados ajudem a reproduzir a própria
lógica a partir da qual eles são dominados.
_________________
1.
BOURDIEU, Pierre;
CHAMBOREDON, Jean-Claude; PASSERON, Jean-Claude. Ofício de Sociólogo: metodologia da pesquisa na sociologia. Trad. Guilherme João
de Freitas Teixeira. 6ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. P. 39
2.
BOURDIEU, Pierre. Fieldwork in
Philosophy. In.: Coisas Ditas. Trad. Cássia R. da
Silveira e Denise Moreno Pegorim. – São
Paulo: Brasiliense, 2004. P. 42
- BOURDIEU, Pierre. Homo academicus. Trad. Ione
Ribeiro Valle e Nilton Valle. Rev. Tec.: Maria Tereza de Queiroz
Piacentini. – Florianópolis: Ed. da UFSC, 2011. P. 122
4.
BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalianas. Trad. Sergio
Miceli. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil , 2007. P. 280
5.
BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalianas. Ibid
6.
BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalianas. Ibid
7.
BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalianas. P. 281
8.
BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalianas. Ibid
9.
BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalianas. P. 282
10.
Sobre as
Instituições Totais ver GOFFMAN, Erving. Manicômios,
prisões e conventos. Trad. Dante Moreira Leite. – São Paulo: Perspectiva
11.
BOURDIEU, Pierre. Meditações
Pascalianas. Ibid
12.
BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalianas. Ibid
13.
BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalianas. P. 290
14.
BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do
julgamento. Trad. Daniela Kern; Guilherme J. F. Teixeira. 2ª ed. Rev. – Porto Alegre,
RS: Zouk, 2011. P. 27
15.
BOURDIEU, Pierre. A Distinção. P. 28-29
quarta-feira, 26 de junho de 2013
Textos de Pierre Bourdieu
Link para ler "O camponês e a fotografia" (Por
Pierre Bourdieu e Marie-Claire Bourdieu): http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n26/a04n26.pdf
Link para ler “A dominação colonial e o sabir cultural” (Por Pierre Bourdieu e Abdelmalek Sayad) : http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n26/a05n26.pdf
Link para ler "Diálogo sobre a poesia
oral na Cabília: entrevista de Mouloud Mammeri e Pierre Bourdieu": http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n26/a06n26.pdf
Link para ler "O camponês e seu corpo" (Por Pierre Bourdieu): http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n26/a07n26.pdf
Link para ler "A odisséia da
reapropriação: a obra de Mouloud Mammeri"(Por
Pierre Bourdieu): http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782006000100008
terça-feira, 28 de maio de 2013
sexta-feira, 24 de maio de 2013
Diante da Lei (Kafka)
“Diante da lei está
postado um guarda. Até ele se chega um homem do campo que lhe pede que o deixe
entrar na lei. Mas o sentinela lhe diz que nesse momento não é permitido
entrar. O homem reflete e depois pergunta se mais tarde lhe será permitido
entrar. “É possível”, diz o guarda, “mas não agora”. A grande porta que dá para
a lei está aberta de par em par como sempre, e o guarda se põe de lado; então o
homem inclinando-se para adiante , olha para o interior através da porta.
Quando o guarda percebe isso desata a rir e diz: “Se tanto te atrai entrar,
procura fazê-lo não obstante a minha proibição. Mas guarda bem isto: “eu sou poderoso e contudo não sou mais do
que o guarda mais inferior; em cada uma
das salas existem outros sentinelas, um mais poderoso do que o outro. Eu não posso suportar já sequer o
olhar do terceiro. “ O camponês não espera tais dificuldades; parece-lhe que a
lei tem de ser acessível a todos, mas agora que examina com maior atenção o
guarda, envolto em seu abrigo de peles, que tem grande nariz pontiagudo e barba
longa, delgada e negra à moda dos tártaros, decide que é melhor esperar até que
lhe dêem permissão para entrar. O guarda dá-lhe então um escabelo e o faz
sentar-se a um lado, frente à porta. Ali passa o homem, sentado, dias e anos. Faz infinitas tentativas para
entrar na lei e cansa o sentinela com suas súplicas. O sentinela às vezes o
submete a pequenos interrogatórios, pergunta-lhe por sua pátria e por muitas
outras coisas, mas no fundo não lhe interessam especialmente as respostas.
Pergunta o como faria um grande senhor; e sempre termina por manifestar-lhe que
ainda não pode entrar. O homem, que para realizar aquela viagem, teve de se
abastecer de muitas coisas, emprega tudo, por mais valioso que seja, para
subordinar o porteiro. Este aceita tudo, mas diz: “Aceito-o para que não
julgues que te descuidaste de algumas coisa”. Durante muitos anos aquele homem
não afasta os seus olhos do sentinela. Esquece-se dos outros sentinelas e chega
a parecer-lhe que este primeiro é o único obstáculo que lhe impede entrar na
lei. Nos primeiros anos maldiz a gritos a sua funesta sorte, mas depois quando
se torna velho, limita-se a grunhir entre os dentes. E, como nos longos anos
que passou estudando o sentinela, chega a conhecer também as pulgas de seu
abrigo de pele, tornado outra vez à infância, roga até a essas pulgas para que
o auxiliem a quebrar a resistência do guarda. Por fim, vê que a luz que seus
olhos percebem é mais fraca e não consegue distinguir se realmente se fez noite
ao redor dele ou se simplesmente são os olhos que o enganam. Ma agora, em meio
às trevas, percebe um raio de luz inextinguível através da porta. Resta-lhe
pouca vida. Antes de morrer concentram-se em sua mente todas as lembranças e
pensamentos daquele tempo em uma pergunta que até esse momento não tinha ainda
formado ao sentinela. Como seu corpo já rígido não se pode mover, faz um sinal
ao guarda para que se aproxime. Este precisa inclinar-se profundamente pois a
diferença de dimensões entre um e outro chegou a fazer-se muito grande em
virtude do empequenecimento do homem. “Que é o que ainda queres saber?”,
pergunta o sentinela. “És incontestável”. “Dize-me”, diz o homem, “ se todos
desejam entrar na lei, como se explica que em tantos anos ninguém, além de mim,
tenha percebido fazê-lo?” O guarda percebe que o homem está já às portas da
morte, de modo que para alcançar o seu ouvido
moribundo ruge sobre ele: “Ninguém senão tu podia entrar aqui, pois esta
entrada estava destinada apenas para ti. Agora eu me vou e a fecho.” (KAFKA,
Franz. O processo.)
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
O fundamento arbitrário da lei
Foto de Pascal
A análise da aprendizagem e da aquisição de disposições conduz
ao princípio propriamente histórico da
ordem política. Pascal tira uma conclusão tipicamente maquiavélica a partir da
descoberta de que o arbítrio e a usurpação estão na origem da lei, de que é impossível
fundar o direito na razão e no direito, de que a Constituição, sendo decerto o
que mais se assemelha, na ordem política, a um primeiro fundamento cartesiano,
não passa de uma ficção fundante destinada a dissimular o ato de violência fora
da lei que está na raiz da instauração da lei: na impossibilidade de facultar
ao povo o acesso à verdade libertadora sobre a ordem social (“veritatem qua liberetur”), pois isso
apenas serviria para ameaçar ou arruinar essa ordem, é preciso “trapaceá-lo”,
dissimular-lhe a “verdade da usurpação”, ou seja, a violência inaugural na qual
se enraíza a lei, fazendo com que seja “vista como autêntica, eterna”.(BOURDIEU,
Pierre. Meditações Pascalianas. Trad.
Sergio Miceli. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil , 2007. P. 203-204)
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
Pierre Bourdieu: disposição escolástica e inserção no mundo do trabalho.
Por Danilo José Viana da silva
“Compreende o
processo? O rastelo começa a escrever; quando o primeiro esboço de inscrição
nas costas está pronto, a camada de algodão rola, fazendo o corpo virar de lado
lentamente, a fim de dar mais espaço para o rastelo. Nesse ínterim as partes
feridas pela escrita entram em contato com o algodão, o qual, por ser um
produto de tipo especial, estanca instantaneamente o sangramento e prepara o
corpo para novo aprofundamento de escrita.”1
O habitus - enquanto um sistema de disposições para agir e para
perceber e apreciar o mundo social - é um produto de toda uma trajetória de
vida, de todo um processo de inscrição de determinados pressupostos nos corpos.
Ele (o habitus) é produto da
interiorização não consciente de determinada estrutura social.
Neste caso, a disposição escolástica
é produto de um longo processo histórico de inscrição e de esquecimento, de
negação de sua própria gênese histórica e das condições sociais de
possibilidades desse esquecimento. A disposição escolástica está ligada ao grau
de “liberdade” em relação as urgências, as necessidades econômicas e as demais
constrições relacionadas a vida ordinária.
Ainda que possa
ser vivido como algo livre e eletivo, a independência perante quaisquer
determinações vai sendo adquirida e exercida por conta de uma distância efetiva
em relação à necessidade econômica e social (estando, por conseguinte,
estreitamente vinculada à ocupação de posições privilegiadas na hierarquia
sexual e social). 2
Bom, então uma das características
mais importantes da disposição escolástica é justamente essa espécie de
retirada do mundo, de neutralização das urgências, e a ignorância ou recalque
dos pressupostos relacionados com essa disposição. E o grau dessa neutralização
e da sensação de liberdade por ela propiciada vai depender da posição ocupada
em determinado campo, bem como do sistema de distribuição não igualitária de capital cultural, simbólico, econômico...
correspondente a hierarquia entre as posições no interior dos campos e a
reprodução das relações de força que estão na base da sociedade.
Para os já familiarizados com a obra
de Bourdieu, a disposição escolástica é típica dos campos mais eruditos e
escolásticos, tais como o campo filosófico, o científico, o teológico, o
jurídico, o artístico... Neste caso, a autonomia de tais campos (os quais são
produtos históricos e do processo de neutralização das urgências, das pressões
exercidas pelas necessidades econômicas e sociais) encontra um de seus
princípios de explicação no escolástico recalque das pressões externas.
A ilusão da absoluta autonomia dos campos vem encontrar uma
de suas explicações na disposição escolástica: o esquecimento da gênese histórica
dos campos e de como ele é produto de lutas históricas, de como essa história
encontra-se objetivada nas estruturas, nas hierarquias e nas posições, por
exemplo, e a relação dialética entre essa história objetivada e a história
incorporada por um agente que ocupa ou pretende ocupar uma posição no campo.
Mas, o motivo pelo qual escrevemos
este texto superficial é justamente a disposição escolástica exigida pela
lógica de determinados campos burocráticos. A posição de recepcionista (deixando de lado, por hora, toda a importante
questão da dominação masculina e da divisão sexual do trabalho) pode ser
tomada, talvez, como um bom exemplo para entendermos o quanto essa disposição
está inscrita e é exigida tácita e/ou expressamente por determinadas instituições
e/ou empresas.
A inserção no mundo do trabalho pode
ter a aparência apenas de urgência, de uma constrição relacionada a vida
ordinária, mas até mesmo a inserção nesse mundo pode ser vista ( a depender,
por exemplo, do nível de autonomia do mercado no qual determinado agente
pretende ou ocupa uma posição, bem como desta) como uma inserção em um universo
escolástico.
A disposição
escolástica, adquirida sobretudo na experiência escolar pode perpetuar-se mesmo
quando as condições de seu exercício desapareceram quase por completo (com a
inserção no mundo do trabalho). 3
Sabe-se que os campos onde as
condições mais favoráveis às tomadas de posição escolásticas correspondem aos
campos mais eruditos. Entretanto, o afastamento, a negação das urgências, das
tristezas, dos problemas cotidianos é uma característica das exigências
impostas pelos mercados de trabalho considerados como não-eruditos. Não é por
acaso que citamos o exemplo da recepcionista, pois a lógica do mercado onde ela
ocupa uma posição exige que ela esteja “feliz”, “de bem com a vida”, “bem
humorada” para receber todos aqueles que ela recebe.
Ou seja, independentemente das
dificuldades diárias fora do ambiente de trabalho, das brigas familiares e de
diversos problemas cotidianos, ela deve demonstrar “boa aparência”. E a
submissão ou não à essa exigência vem encontrar um de seus princípios de
explicação na relação entre essa exigência, a qual é mais histórica do que
imaginamos, e a história de vida do agente relacionada a um determinado habitus de classe, o qual corresponde a
uma “forma incorporada da condição de classe e dos condicionamentos que ela
impõe;” 4 Bourdieu
preocupou-se em investigar as condições sociais de possibilidade da aceitação,
da submissão dos dominados aos esquemas de percepção e apreciação dominantes do
mundo social. Ele levou em conta como os dominados, sem saber, contribuem para
a sua própria dominação, bem como a dificuldade de se lutar contra essa
dominação, pois ela se dá em um nível abaixo do nível da consciência.
Os trabalhadores
vivem sob esse tipo de pressão invisível e, assim, adaptam-se muito mais à sua
situação do que podemos supor. Modificar isso é muito difícil, especialmente
hoje em dia. Com o mecanismo da violência simbólica, a dominação tende a assumir
a forma de um meio de opressão mais eficaz e, nesse sentido, mais brutal. 5
E essa brutalidade e eficácia se dão
justamente pelo fato do poder simbólico corresponder a um poder invisível cuja
condição de exercício se dá em um plano abaixo da consciência: simplesmente, os
que o exercem não sabem que o exercem, e os que exercem também são dele
vítimas: “o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode
ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos
ou mesmo que o exercem.” 6
E o processo e nível de inscrição
nos corpos (o que, de fato, vai depender de um habitus de classe, das condições sociais de possibilidades dessa
inscrição) da lógica do mercado é uma das características da aceitação tácita
ou expressa da relação de ajustamento ou não entre as exigências do campo e o habitus de classe de determinado agente.
A relação entre as
disposições e as posições nem sempre assume a forma do ajustamento quase
milagroso, e fadado por isso a passar
despercebido, que se observa quando os habitus são o produto de estruturas
estáveis, as mesmas nas quais eles se atualizam: nesse caso, sendo os agentes
levados a viver num mundo que não é radicalmente distinto daquele que modelou
seu habitus primário, a sintonia logo se estabelece entre a posição e as
disposições daquele que a ocupa, entre herança e o herdeiro, entre o cargo e
seu detentor. 7
A adequação entre os agentes e as posições, bem como os
esquemas de percepção e apreciação adquiridos durante um longo processo de
inculcação e inscrição escolar, é um dos
princípios de explicação da ilusio e do
efeito de concertação sem maestro ou de conluio
não voluntário que faz, por exemplo, uma instituição funcionar: é justamente a
concordância
entre o que a
história fez deles e o que ela lhes pede para fazer, concordância essa que pode
exprimir-se no sentimento de estar bem “no seu lugar”, de fazer o que se tem
que fazer, e de o fazer com gosto – no sentido objetivo e subjetivo – ou na
convicção resignada de não poder fazer outra coisa, o que também é uma maneira,
menos feliz certamente, de se sentir destinado para o que se faz. 8
Mas, a concordância nunca é total e
absoluta, até porque as relações entre as posições no interior dos campos, bem
como as relações entre os campos, não são imutáveis. As modificações, as crises
no interior dos campos frequentemente geram desacordos entre as posições e os habitus, principalmente quando estes (os
habitus) foram adquiridos,
incorporados, em um período em que a posição era, por exemplo, digna de
admiração, de prestígio... Esse desacordo é justamente um dos efeitos do
desajustamento entre as expectativas e as condições de suas realizações. “Em
conseqüência, pode ocorrer que, segundo o paradigma de Dom Quixote, as
disposições estejam em desacordo com o campo e com as “expectativas coletivas.”
9
O caso da posição de recepcionista (posição que está
relacionada com a própria lógica da divisão sexual do trabalho) corresponde a
um bem exemplo de como a negação, o recalque das urgências, dos problemas
cotidianos é visto como condição para o bom desempenho do trabalho. É a
aceitação e a incorporação de uma disposição escolástica as condições para ela
desempenhar o seu trabalho “da forma que deve ser feito” e “com gosto.” Mesmo
que isso implique “uma submissão corporal, uma submissão inconsciente, que pode
apontar para um bocado de tensão internalizada, um bocado de sofrimento
corporal.” 10
E, como Bourdieu lembrou várias
vezes, afirmar uma “tomada de consciência” como a condição para se livrar da
dominação simbólica é projetar a consciência de um intelectual em um operário,
principalmente naquele que não teve as mínimas condições de acesso ao capital
cultural para tal (diferentemente de como acontece com aqueles que tiveram
acesso a cultura dominante antes mesmo de ingressar na escola) e a inclinação
necessária para tal. Lutar contra a
dominação simbólica é algo muito mais difícil do que imaginamos, sobretudo pelo
fato da grande possibilidade de, na ilusão de estarmos combatendo-a, acabarmos
fortalecendo-a.
Foto de Pierre Bourdieu.
__________________
1.
KAFKA, Franz. Na Colônia Penal. Trad. Modesto Carone.
– São Paulo: Companhia das Letras, 1998. P. 43-44
2. BOURDIEU, Pierre. Meditações
Pascalianas. Trad. Sergio Miceli. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil , 2007.
P. 25-26
3.
BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalianas. P. 25
4. BOURDIEU, Pierre. A
Distinção: crítica social do julgamento. Trad. Daniela Kern; Guilherme J. F. Teixeira. 2ª ed. Rev. – Porto
Alegre, RS: Zouk, 2011. P. 97
5. BOURDIEU, Pierre e
EAGLETON, Terry. A doxa e a vida
cotidiana: uma entrevista.
In.: Um mapa da ideologia. Org.
Slavoj Zizek. Trad. Vera Ribeiro. – Rio de Janeiro: Contraponto. 1996. P. 270
6. BOURDIEU, Pierre. Sobre
o poder simbólico. In.: O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz –
2 ed. RJ, Bertrand Brasil, 1998. P. 7-8
7.
BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalianas. P. 192
8. BOURDIEU, Pierre. História
reificada e incorporada. In.: O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz –
2 ed. RJ, Bertrand Brasil, 1998. P. 87
9.
BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalianas. P. 196
10.
BOURDIEU, Pierre e EAGLETON, Terry. Op. cit. p. 277
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