terça-feira, 21 de abril de 2015

O Castelo de Kafka e a Violência invisível



Por Danilo José Viana da Silva


A invisibilidade das pressões desencorajadoras dos ambientes mais burocráticos sentidas pelos imigrantes ou por todos aqueles para os quais foram negadas as oportunidades de acesso aos modos de pensamento mais formais (os esquemas de percepção e construção cognitiva do mundo burocrático) corresponde a algo consideravelmente violento. Não é sem explicação o fato de que, quando em contato com os ambientes mais formais (quando, por exemplo, há a necessidade de se converter um simples “pedido” em um “requerimento” construído em uma linguagem protocolar, ou quando há a necessidade de se pronunciar frente a uma autoridade) os desapossados das condições de acesso as propriedades pertinentes (o capital cultural, por exemplo) em uma determinada sociedade sentem muitas vezes um efeito fortemente constrangedor (o que Bourdieu denomina de efeito de Violência Simbólica).  

A situação em que se encontra K. em “O Castelo” (lembrando que K. não é apenas um agrimensor, mas também um ESTRANGEIRO) reflete bem esse efeito de violência silenciosa, essa, como lembra Kafka, “força do ambiente desencorajador, o hábito das decepções, a força das influências imperceptíveis de cada instante – tudo isso ele de qualquer modo temia” (KAFKA, Franz. O Castelo. Trad. Modesto Carone. Companhia das Letras. 2000. P. 43-44) e que mesmo tendo ciência da extrema dificuldade de combatê-las ele ainda sustenta que “era preciso ousar lutar”.( KAFKA, Franz. O Castelo. P. 44). 

         Lutar, mesmo sabendo da ínfima possibilidade de sucesso para todos aqueles que mais sofrem os efeitos dessa violência opaca e muitas vezes imperceptível para todos aqueles que incorporaram a sua lógica e que contribuem, mesmo que inconscientemente, para a sua efetividade. Um dos pontos que podemos encontrar em Kafka, não apenas em “O Castelo”, é justamente o relativo as condições de todos os imigrantes, os estrangeiros, de todos os reconhecidos socialmente como párias, de todos aqueles para os quais parece que todos os caminhos “teriam permanecido não só fechados para sempre, mas também invisíveis.” (KAFKA, Franz. O Castelo. P. 43).