terça-feira, 16 de agosto de 2016

Maupeou e os juristas





Por Danilo José Viana da Silva



No prelúdio da Revolução, um dos parlamentares franceses que acabou gerando um considerável desconforto para os juristas foi René de Maupeou. Em um momento onde coexistiam dois princípios opostos de transmissão dos privilégios, quais sejam, o “princípio hereditário” e o “princípio baseado no mérito”, no capital cultural, e regulado pelo direito, uma das contradições dos juristas corresponde ao fato de terem sustentado a necessidade de instauração do princípio meritocrático no que diz respeito a distribuição dos ofícios e dos privilégios nobiliárquicos, entretanto no que concerne aos seus próprios privilégios eles se posicionavam ao lado do principio dinástico, ou seja, do princípio da hereditariedade. 

Como lembra Bourdieu a respeito, “como detentores de um capital cultural que os opõe aos nobres, os juristas estão do lado do mérito, do lado do que foi adquirido, por oposição ao inato, ao dom etc. ; no entanto, começam a pensar em suas aquisições como uma espécie de inato devendo ser transmitido e, portanto, já estão numa contradição.” (BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. Companhia das Letras. 2014. P. 419) E o grande desconforto que Maupeou criou para os juristas foi querer aplicar, com sua reforma, “um princípio não dinástico para os juristas que eram críticos do poder dinástico, o que desencadeou uma revolta da nobreza de toga.” (BOURDIEU, Pierre. Op. Cit. P. 420). 

Os juristas (na medida em que estavam do lado do procedimento baseado no mérito e no adquirido em oposição ao inato e ao sangue no que diz respeito a forma de distribuição dos cargos e dos privilégios, mas ao se tratar dos seus próprios privilégios eles se posicionavam ao lado da hereditariedade, do inato) acabaram ocupando uma posição contraditória e ambígua, posicionando-se ao lado do poder dinástico como forma de reprodução da distribuição de seus privilégios, mas contra o poder dinástico e a favor do mérito e do adquirido de acordo com a razão jurídica que eles contribuíram para construir em se tratando da forma de distribuição de privilégios que não são os seus. Para garantir os seus interesses se posicionavam ao lado do poder dinástico e a favor do rei, mas quando não era para garanti-los posicionavam-se ao lado do direito e da razão de Estado.