Por Danilo José Viana da Silva
No prelúdio da Revolução, um dos parlamentares franceses que acabou
gerando um considerável desconforto para os juristas foi René de Maupeou. Em um
momento onde coexistiam dois princípios opostos de transmissão dos privilégios,
quais sejam, o “princípio hereditário” e o “princípio baseado no mérito”, no
capital cultural, e regulado pelo direito, uma das contradições dos juristas
corresponde ao fato de terem sustentado a necessidade de instauração do
princípio meritocrático no que diz respeito a distribuição dos ofícios e dos privilégios
nobiliárquicos, entretanto no que concerne aos seus próprios privilégios eles
se posicionavam ao lado do principio dinástico, ou seja, do princípio da
hereditariedade.
Como lembra Bourdieu a respeito, “como detentores de um
capital cultural que os opõe aos nobres, os juristas estão do lado do mérito,
do lado do que foi adquirido, por oposição ao inato, ao dom etc. ; no entanto,
começam a pensar em suas aquisições como uma espécie de inato devendo ser
transmitido e, portanto, já estão numa contradição.” (BOURDIEU, Pierre. Sobre o
Estado. Companhia das Letras. 2014. P. 419) E o grande desconforto que Maupeou
criou para os juristas foi querer aplicar, com sua reforma, “um princípio não
dinástico para os juristas que eram críticos do poder dinástico, o que
desencadeou uma revolta da nobreza de toga.” (BOURDIEU, Pierre. Op. Cit. P.
420).
Os juristas (na medida em que estavam do lado do procedimento baseado no mérito
e no adquirido em oposição ao inato e ao sangue no que diz respeito a forma de
distribuição dos cargos e dos privilégios, mas ao se tratar dos seus próprios privilégios
eles se posicionavam ao lado da hereditariedade, do inato) acabaram ocupando
uma posição contraditória e ambígua, posicionando-se ao lado do poder dinástico
como forma de reprodução da distribuição de seus privilégios, mas contra o
poder dinástico e a favor do mérito e do adquirido de acordo com a razão
jurídica que eles contribuíram para construir em se tratando da forma de
distribuição de privilégios que não são os seus. Para garantir os seus interesses
se posicionavam ao lado do poder dinástico e a favor do rei, mas quando não era
para garanti-los posicionavam-se ao lado do direito e da razão de Estado.