Por Danilo José Viana da Silva
Uma
das últimas e mais agradáveis experiências pelas quais passei foi sentir o
cheiro de castanha de caju sendo assada. Esse cheiro me fez relembrar os vários
momentos de aprendizagem não escolástica com a minha falecida avó no sitio que para mim (um garoto de dez anos) constituía o melhor de todos os mundos possíveis, onde
ela morava com o meu avô.
Ela
me ensinou como assar uma “cacada de castanhas”, não como os professores da
escola, mas como um tipo de artesã que no momento de transmitir os seus
conhecimentos práticos, o faz através do gesto, da prática de uma espécie muito
particular de conhecimento que só pode ser adquirido através da constante
prática. As lembranças que subitamente esse cheiro me proporcionou me fez
lembrar a forma como Proust pensava no quanto pode ser inútil tentarmos reviver
o passado através de uma atividade intelectual. Como ele mesmo escreve, “é
trabalho baldado procurar evocá-lo, todos os esforços de nossa inteligência
serão inúteis. Está escondido, fora de seu domínio e de seu alcance, em algum
objeto material (na sensação que esse objeto material nos daria), que estamos
longe de suspeitar.” (PROUST, Marcel. Em
busca do tempo perdido: no caminho de Swann. )
Aquele cheiro me fez reviver
subitamente todo um conjunto de experiências pelas quais passei no sitio de
minha avó e que existiam em estado recalcado, que “haviam perdido a força de
expansão que lhes teria permitido alcançar a consciência”, diria Proust, por
todo um processo de aprendizagem escolar e acadêmico que me treinou
gradativamente em seus jogos, com suas provas e exercícios gratuitos que
contribuíram para me afastar cada vez mais das experiências do “gosto”, do
“sabor” de se comer uma manga no pé, do “prazer” em procurar pelo cheiro uma jaca
madura (a caça vale tanto quanto a lebre, diria Pascal) para subir na jaqueira
e retirá-la sem a ajuda de nenhuma faca para depois descer com o seu talo entre
os meus dentes, da “alegria” de constatar que, ao assar uma “cacada de castanhas”
de caju, não tinha queimado uma grande quantidade delas...
E também me fez
reviver, o cheiro, sempre o cheiro, as broncas amorosas da minha avó quando via
que eu quebrava as cascas das castanhas e imediatamente as comia: isso fazia
com que as suas esperanças de que eu conseguisse juntar um certo pecúlio de
castanhas descascadas para fazer um possível pé de moleque fossem frustradas.
Esse cheiro me fez lembrar das minhas várias habilidades em subir em árvores,
em ter o devido cuidado com as casas de marimbondos, com os cavalos do cão,
serpentes... enfim, de todo um conjunto de conhecimentos práticos (e que só
podem ser adquiridos pela constante prática) dos quais tinha me esquecido. Não
ignoro o quanto a experiência
escolástica e acadêmica dos exercícios gratuitos contribuiu bastante para esse
processo de esquecimento desse tipo de conhecimento inacessível pela
inteligência escolar e acadêmica.