terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A nova monadologia de Gabriel Tarde






Danilo José Viana da Silva

            A criação de uma nova monadologia corresponde a um exemplo de que Gabriel Tarde não perdeu o seu tempo apenas criticando a monadologia de Leibniz. Em outras palavras, Tarde soube dar força para a monadologia retornar a vida; assim, ele não é uma chaga nem para a filosofia nem para a sociologia.
            Uma das relevantes reformas realizadas por Tarde na monadologia de Leibniz corresponde ao então princípio da Razão suficiente  como forma ( pensada por Leibniz) de organizar o mundo das diferenças infinitesimais. Gabriel Tarde irá recusar tal princípio em sua nova monadologia, nesta a razão não se encontra  no princípio da vida e do social, não há, em Tarde, harmonia estabelecida previamente.
            Eis uma grande contribuição de seu pensamento para a sociologia, e é também a partir daí que podemos compreender que Tarde rejeita qualquer tipo de axioma típico do racionalismo clássico que tanto influenciou a recém nascida sociologia de Durkheim, para citar apenas um exemplo.
            Por meio da recusa do princípio da Razão suficiente  presente na monadologia de Leibniz, Tarde rejeita a existência de uma substancia comum, a qual ligaria todas as mônadas em torno de um princípio. Em Tarde não há um Deus ou Razão suficiente como a razão última das séries diferenciais. Tarde não aceita a existência de um sujeito permanente em uma metafísica da diferenciação. Ele recusa qualquer tipo de sujeito que subsista a toda transformação ou de uma razão final de todas as mônadas. “A heterogeneidade: eis a eterna pedra no caminho da utilidade, da finalidade, da harmonia!” 1   
            Todavia, Tarde irá acompanhar alguns passos dados por Leibniz, como, por exemplo, a afirmação de uma tendência à mudança que é interna a cada uma mônada. Em Leibniz cada mônada muda continuamente, e tal mudança vem encontrar a sua origem em um princípio interno, ou seja, em cada mônada: “Dou também por aceito que todo ser criado está sujeito à mudança, e, consequentemente, também a Mônada criada. E tal mudança é contínua em cada uma delas.” 2    
            Então podemos compreender a identificação, realizada por Leibniz, de um princípio interno de diferenciação, não se trata de um efeito de uma causa externa, as quais jamais esgotam as verdadeiras causas da transformação. Compreendemos, então, que há nas mônadas um princípio interno de produção da diferença, a qual jamais é estática, imóvel. Se ela fosse estática somente poderíamos falar de diferenças empíricas, já atualizadas, extensivas...
            O princípio interno de diferenciação das mônadas pensado por Leibniz irá contribuir para com a neomonadologia de Tarde. Diferença e  diferenciação da diferença; o real é sempre animado (vibrante) por uma energia, energia constante de diferenciação. Assim, “existir é diferir; na verdade, a diferença é, em um certo sentido, o lado substancial das coisas, o que elas têm ao mesmo tempo de mais próprio e de mais comum.” 3 
            Sobre uma possível influência da obra de Leibniz sobre a concepção de “evolução enquanto processo constante de diferenciação, e não a expressão de uma série única de transformação controlada por uma finalidade única,” 4 poderíamos escrever, novamente, que Tarde recusou o princípio da Razão suficiente, diferentemente de Leibniz, como razão última de todas as mônadas. É justamente por esse motivo que a evolução, segundo Tarde, não é a expressão de uma única série de transformação; trata-se da criação de uma nova imagem de Evolução. Não há, em seu pensamento, a razão última de todas as séries. Em prol da afirmação do dinamismo das forças, da afirmação da vida Tarde irá recusar qualquer tipo de mecanicismo sem vida e estático, cujo sonho  capitalístico  é a uniformização das sociedades e das subjetividades.
            Tarde também irá recusar as mônadas fechadas concebidas por Leibniz, o qual escreveu em bom tom: “As Mônadas não possuem janelas através das quais algo possa entrar ou sair.” 5  Já em Tarde as mônadas possuem portas e janelas, elas interpenetram-se constantemente, elas não estão sujeitas a nenhuma harmonia preestabelecida, a qual ordenaria as diversas séries expressivas e pontos de vista tidos como autônomos em sua própria interioridade sempre fechada. Em Tarde o que realmente encontramos é a afirmação das relações horizontais entre as mônadas, e é justamente aí onde ele escreve uma teoria das sociedades humanas. “Manter as mônadas fechadas significa disciplinar o trabalho das diferenças.” 6 
            Se existe ordem é porque ela foi estabelecida, (e não preestabelecida, independentemente de qualquer vontade-singularidade) imposta não pela ação de alguma força exterior ou qualquer tipo de comando místico, mas sim pela propagação de uma vontade singular; nunca o inverso. Entretanto, grande parte do pensamento ocidental ainda acha “que de início as árvores foram florestas, as abelhas colméias, os homens nações.” 7
            As leis da vida não são ditadas ou impostas do alto, elas são definidas no interior da vida. A sociedade, em Tarde, seria o resultado da vontade humana, do entrechoque das variadas vontades, de um arranjo diferencial de propriedades contagiosas.
Eis uma grande renovação realizada por Tarde na monadologia. Essa renovação foi bastante relevante para que ele não caísse numa das mais perversas armadilhas do pensamento filosófico e científico ocidental: a Harmonia preestabelecida e
as leis universais ou a fórmula única que conteria todas essas leis, espécie de mandamento místico ao qual todos os seres obedeceriam e que não emanaria de nenhum ser, espécie de verbo inefável e ininteligível que, sem nunca ter sido pronunciado por ninguém, entretanto seria escutado em toda parte e sempre. 8  

            As mônadas pensadas por Tarde possuem portas e janelas, podem modificar umas às outras, são capazes de interagir, de afetar umas às outras. Essas mônadas formam uma sociedade onde cada uma desenvolve sua individualidade – singularidade – através de um tipo de irradiação elas contribuem para a formação de mais individualidades. Trata-se de um associacionismo afetivo e não de uma monadologia onde não há contágio, onde todas as mônadas são fechadas. Em Tarde não há imposição de  “do “ axioma, de uma única vontade controladora capaz de impossibilitar as bifurcações criadoras. Tarde afirma o movimento constate de criação, da diferença, de heterogeneidades, da vida...                                     
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  1. TARDE, Gabriel. Monadologia e sociologia e outros ensaios. Trad. Paulo Neves, Organização e Introdução: Eduardo Viana Vargas. COSACNAIFY. P. 152
  2. LEIBNIZ, G. W. A monadologia e outros textos. Organização e Tradução: Fernando Luiz Barreto Gallas e Souza. – São Paulo: Hedra: 2009. §10, p. 26
  3. TARDE, Gabriel. Op. cit. p. 98
4.       THEMUDO, Tiago Seixas. Gabriel Tarde: Sociologia e Subjetividade. – Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fortaleza, CE: Secretaria da Cultura e Desporto, 2002. P. 36
5.       LEIBNIZ, G. W. Op. cit. p. 25, § 7
6.       THEMUDO, Tiago Seixas. Op. cit. p. 37
  1. TARDE, Gabriel. Op. cit. p. 59
  2. TARDE, Gabriel. Op. cit. p. 79




Francis Bacon