terça-feira, 15 de março de 2016

Os três estados do capital jurídico



The Court - Honoré Daumier.


Por Danilo José Viana da Silva



Uma das questões que acho mais admiráveis e das quais é possível se fazer uma leitura sociológica corresponde as caricaturas dos “funcionários da justiça” de Honoré Daumier: a forma como ele consegue figurar o fato de o capital jurídico não existir apenas mediante as categorias de pensamento e de construção cognitiva do mundo, mas também por meio de uma hexis corporal específica (tal como podemos encontrar na sociologia do campo jurídico desenvolvida por Pierre Bourdieu). Nesse sentido, o capital jurídico (espécie de capital simbólico e cultural) pode existir de três formas: na forma incorporada, no interior dos agentes mediante um habitus, ou seja, por meio de determinados esquemas de pensamento (somando-se a isso o uso de uma linguagem protocolar) e de práticas;  o fato desse capital existir também no estado objetivado nas instituições específicas do campo jurídico, quer dizer, nos livros doutrinários, nas vestimentas, nas arquiteturas dos tribunais (nas togas, perucas, etc); e no estado institucionalizado sob forma de capital cultural certificado e garantido pelo diploma, “essa certidão de competência cultural”(BOURDIEU, Pierre. Os três estados do capital cultural. In.: Escritos de educação. Editora: Vozes, 14 ed. p. 86) exigida para o ingresso nas lutas que se desenrolam no interior do campo jurídico e que contribui para a constituição do corpo de juristas como, diria Weber, “um grupo de status” que se caracteriza como um corpo, semelhantemente ao grupo de sacerdotes, “societalizado por meio de seu estilo de vida específico, suas noções de honra convencionais e as ocasiões econômicas que legalmente monopoliza. Um grupo de status sempre está societizado de uma ou outra forma, ainda que nem sempre esteja organizado em uma associação (WEBER, Max. Sociologia das religiões. 1.ed. Editora: Ícone, 2010. P. 46) . E é justamente esse conjunto de propriedades específicas que constitui o capital jurídico enquanto um elemento que contribui para a reprodução da distinção entre os profissionais do trabalho jurídico e os profanos (equivalente estrutural da distinção entre os sacerdotes e os leigos na sociologia da religião de Weber).