terça-feira, 21 de outubro de 2014

A importância do retrovisor: algumas reflexões pascalianas





Por Danilo José Viana da Silva




Nesses dias em que um candidato a presidência da república insiste várias vezes para que o outro candidato “tire os olhos do retrovisor”, a crítica pascalina da razão autofundadora pode ser tomada como uma importante ferramenta de análise. Principalmente pelo fato de o citado candidato, no prelúdio de sua campanha, ter se identificado várias vezes como um representante da “Onda da razão”.

Não é por acaso que ele insiste na necessidade de se “tirar os olhos do retrovisor”, pois isso contribui para que o próprio fundamento histórico e social da razão que ele defende como razão imaculada (e que não teria outro fundamento a não ser ela mesma) seja esquecido. A afirmação de uma razão completamente desprovida de qualquer fundamento histórico contribui, em grande parte, para o próprio processo de naturalização do social e de todas as instituições que são produtos de várias lutas sociossimbólicas.  E uma razão que se pretende absolutamente autônoma (tal como os Sumos sacerdotes da razão imaculada defendem no período eleitoral) pode ser facilmente tomada como uma ferramenta política para se afirmar um projeto muito mais voltado para se ignorar as lutas sociais e históricas a partir das quais algumas das mais preciosas conquistas de nossa civilização se tornaram possíveis, do que para se lutar em prol da concretização do acesso as propriedades indispensáveis para a democratização cultural.

A onda da razão mítica, historicamente, tem muito mais a ver com a mera afirmação formal da democracia do que com a sua concretização. E a mera afirmação formal possui todas as características de um cinismo na medida em que, ao afirmar que “todos possuem o direito a vida, a educação, a saúde...”, não contribui, nem minimamente, para a democratização efetiva mediante a concretização das possibilidades de realização desses direitos formalmente afirmados. Trata-se de um cinismo na medida em que a afirmação meramente formal dos direitos da humanidade excluem todos os dominados das condições de acesso a tais direitos, o que equivale a excluí-los das condições de acesso a própria humanidade.

Olhar para o retrovisor é uma prática necessária para compreendermos um pouco mais sobre a nossa história, além de ser algo detestável para todos aqueles que se autointitulam como representantes da razão imaculada e que se pretende independente da própria história. É nesses dias que é preciso lembrar uma frase de Pascal: “O que assenta na são razão é bem mal fundado; como a estima da sabedoria.” (PASCAL, Blaise. Pensamentos. Abril Cultural. P. 119) Pascal conhecia bem os perigos propiciados pela Onda da Razão Imaculada... Olhar para o retrovisor é algo indispensável.   
   
Um projeto político que pretende reduzir a idade penal como forma de “combate a criminalidade” declara o tipo de política criminal que irá por em prática, qual seja, a neoliberal que, como lembra Wacquant, caracteriza-se pelo seguinte paradoxo:

pretende remediar com um “mais Estado” policial e penitenciário o “menos Estado” econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países tanto do Primeiro como do Segundo Mundo. (WACQUANT. Loïc. As prisões da miséria. 2001. P. 7)

As políticas penais neoliberais são incompatíveis com um projeto político que pretende levar em conta as necessidades sociais e as políticas sociais de combate à miséria e à pobreza ( as quais correspondem as causas principais da criminalidade).  As políticas de combate a criminalidade que levam mais em conta o enrijecimento da legislação penal, tal como a redução da idade penal,  visam a implementação de uma política de criminalização da miséria, além de mostrar a sua indiferença para com as políticas sociais no que diz respeito ao combate a criminalidade.