terça-feira, 27 de maio de 2014

Max Weber e Pierre Bourdieu: Uma analogia entre o campo religioso e o universitário




Por Danilo José Viana da Silva


           
            É preciso considerar a importância da sociologia da religião de Max Weber na medida em que ela permite se construir analogias entre estruturas hierárquicas equivalentes, tais como as estruturas do universo acadêmico e do religioso, principalmente no que concerne ao processo de racionalização do qual as crenças religiosas foram objeto no decorrer da modernidade.

              O processo de racionalização e de burocratização da vida religiosa foi um dos objetos da sociologia compreensiva de Weber. Atrelado ao estudo do processo de racionalização e de institucionalização, pela Igreja, da vida religiosa, está o processo de monopolização por um corpo especializado (o sacerdócio) no trabalho de gestão dos bens de salvação (em contraposição aos profetas e leigos: desprovidos da autoridade propriamente religiosa garantida pela Igreja) da pregação ou do culto legítimo realizado em um local especialmente constituído para tal, em contraposição as seitas proféticas ou aos rituais de magia.

            É preciso frisar também que foi a partir dela (da sociologia da religião de Weber) que Pierre Bourdieu pôde construir uma sociologia do campo religioso (noção que não encontramos em Weber) enquanto estrutura de relações de força onde agentes providos de determinada competência lutam em prol da monopolização do capital de autoridade propriamente religiosa e do poder de gerir os bens reconhecidos como sagrados.

            Em outras palavras, ela possibilitou a construção de uma sociologia que leva em conta uma das questões mais relevantes sobre o poder simbólico, qual seja, a função de transfiguração das relações de força  (e o quanto o trabalho de racionalização levado a cabo pelo corpo de sacerdotes foi indispensável para tal), de transfiguração de uma ordem arbitrária; ou seja, o processo de santificação das relações de força mediante uma economia do desinteresse econômico, ou seja, mediante a denegação dos interesses estritamente econômicos, dos interesses particulares dos indivíduos. 

            O aparecimento das Igrejas e de um corpo de profissionais mais especializados no trabalho do culto está atrelado ao processo de universalização de práticas religiosas que eram mais relativas aos problemas particulares e concretos dos indivíduos. Ou seja, as práticas religiosas estavam bem mais relacionadas, antes das grandes religiões e do processo de universalização e de sistematização das práticas religiosas, aos interesses mais particulares, mais econômicos dos indivíduos.

            Como adverte Weber


A ação ou o pensamento religioso ou “mágico” não pode ser apartado, portanto, do círculo das ações cotidianas ligadas a um fim, uma vez que também seus próprios fins são, em grande maioria, de natureza econômica.1


            Em outras palavras, a ação religiosa (antes do moderno processo de racionalização e do aparecimento de uma instituição permanente encarregada de gerir os bens de salvação e de formar um corpo de profissionais hierarquizados e dotados de uma determinada competência garantida pela Igreja) “em sua existência primordial, está orientada para este mundo. As ações religiosas ou magicamente exigidas devem ser realizadas “para que vás muito bem e vivas muito e muitos anos sobre a face da terra.”2

            É neste sentido que atrelado ao processo de racionalização e de burocratização da ética religiosa levado a cabo pela Igreja como uma consequência da formação por ela de um corpo altamente especializado em tal trabalho de racionalização, está o processo de universalização das crenças religiosas que estavam mais voltadas para a realização dos interesses particulares de cada um.

            À medida que as práticas religiosas estão condicionadas à realização dos interesses pessoais, não há possibilidades de realização da rotinização racional do culto, pois este  realizava-se de forma aleatória e em relação aos interesses particulares, o que inviabilizava a existência de uma congregação de fiéis. O condicionamento das práticas religiosas em um estágio pouco burocratizado e racionalizado pode ser atestado pelas ações hostis, consistindo até mesmo em agressões, direcionadas aos deuses cuja adoração não propiciou os frutos desejáveis para os que os veneraram.

            Atrelado ao processo de racionalização da vida religiosa está o processo de constituição de uma congregação de fiéis, algo que, pelo menos em sua tipologia ideal, não pode ser constituído no seio das práticas rituais e das profecias, as quais eram levadas a cabo por profetas ou mágicos não atrelados ou formados por uma instituição permanente (a Igreja) e, por isso mesmo, desprovidos da competência  garantida pela Igreja para o exercício do culto legítimo.

            Mas o que realmente interessa no presente texto é o estabelecimento de uma relação de equivalência de função entre a ordem religiosa e a ordem acadêmica no que concerne a justificação do poder (em um caso, religioso, no outro, acadêmico) segundo preceitos gerais garantidos por uma instituição permanente (a Igreja ou o Estado enquanto instituição que garante o capital de autoridade aos títulos emitidos pela instituição universitária) e com capacidade de garantir a posse “real” de uma cultura independentemente da contingência existencial. Em outras palavras, como lembra Bourdieu


(...) na definição tácita do diploma, ao assegurar formalmente uma competência específica (...),  está inscrito que ele garante realmente a posse de uma “cultura geral”, tanto mais ampla e extensa quanto mais prestigioso for esse documento; e, inversamente, que é impossível exigir qualquer garantia real sobre o que ele garante formal e realmente, ou, se preferirmos, sobre o grau que é a garantia do que ele garante. 3   


            Neste caso, a garantia formal da cultura de um agente enquanto a garantia de uma posse real pode existir como uma espécie de essência que precede a existência, a própria contingência existencial.   

            É preciso considerar uma distinção importante na sociologia da religião de Max Weber, qual seja, a distinção entre os sacerdotes e os profetas, pois é a partir dela que se irá estabelecer uma relação de equivalência  entre a ordem religiosa e a universitária.

            Antes de tudo é preciso frisar que os sacerdotes constituem um corpo de profissionais ligados a uma instituição dotada de caráter permanente (no caso, a Igreja ). Os sacerdotes são “funcionários de uma empresa permanente, regular e organizada.”4  Eles, enquanto corpo de funcionários, podem ser definidos como um grupo que passou por uma formação consideravelmente homogênea.

                 E, como profissionais encarregados do trabalho de racionalização das crenças religiosas mediante, por exemplo, o trabalho de doutrinação, são incumbidos de realizar o trabalho do culto regular “vinculado a determinadas normas, a determinados tempos e lugares.”5   É preciso deixar claro que os sacerdotes passaram por uma formação, o que permite o exercício de um trabalho, por eles, que se dá em uma espécie de conluio involuntário, ou seja, um trabalho que se dá em uma lógica consideravelmente orquestrada segundo determinadas normas.

            Os sacerdotes, como lembra Weber, são incumbidos, enquanto corpo profissional adestrado, da “ocupação contínua com o culto e os problemas da orientação prática das almas.”E essa formação pode ser vista como resultante, em grande parte, do trabalho de racionalização levado a cabo pelos próprios sacerdotes, ou seja, eles contribuem para construir a ordem da qual a autoridade de que eles desfrutam depende.

            Observa-se que, diferentemente do profeta, o sacerdote está vinculado a uma instituição permanente que lhe garante um capital de autoridade religiosa independentemente da contingência existencial, ou seja, independentemente de ele ter que demonstrar constantemente, dar provas de sua competência propriamente religiosa.  A autoridade do sacerdote não está, diferentemente do profeta, baseada no carisma estritamente pessoal, mas em uma ordem hierárquica e em preceitos gerais, quer dizer, está baseada na “impessoalidade.”

            Já por “profeta”, como lembra Weber, “queremos entender aqui o portador de um carisma puramente pessoal, o qual, em virtude de sua missão, anuncia uma doutrina religiosa ou um mandado divino.”7 Em outros termos, diferentemente do sacerdote, cujo capital de autoridade está vinculado a uma instituição que garante  o seu reconhecimento, o capital de reconhecimento do profeta está vinculado ao seu carisma pessoal: neste sentido, ele deve dar constantemente provas de sua profecia, ele está, neste caso, sujeito a contingência existencial similar a de um autodidata que, por estar desprovido dos mais reconhecidos e consagrados títulos acadêmicos, deve dar provas de sua cultura.

            Os sacerdotes, como lembra Bourdieu, “ficam dispensados de confirmar a todo momento sua autoridade, e protegidos das consequências do fracasso de sua ação religiosa.”8   Trata-se de uma das características diferenciais mais relevantes entre os profetas e os sacerdotes. “Primeiro e sobretudo porque o segundo reclama autoridade por estar a serviço de uma tradição sagrada, e o primeiro, ao contrário, em virtude de sua relação pessoal ou de seu carisma.”9 Por isso mesmo o profeta está muito mais sujeito as contingências relativas a relação de oferta e demanda dos serviços e bens de salvação por parte dos leigos.
            Já o capital de autoridade e de reconhecimento (espécies de capitais simbólicos) estão assegurados, em grande parte, por uma instituição: pelo fato da garantia, pela instituição eclesiástica, do capital de autoridade religiosa dos sacerdotes, ou seja, pelo fato de tal autoridade não está baseada no carisma pessoal, eles podem estar sujeitos às mesmas regras de substituição e intercambiabilidade que podem ser encontradas nas instituições jurídico-burocráticas.  

            Ou seja, um sacerdote pode ser substituído por outro com a mesma titulação sem que isso acarrete uma defasagem no capital de autoridade, algo que não acontece no caso dos profetas. Diferentemente destes, os sacerdotes são profissionais intercambiáveis, tais como os promotores de justiça, por exemplo.

                Neste aspecto, os que seguem a doutrina ensinada pelo sacerdote, não obedecem propriamente e essencialmente ao sacerdote, mas ao sistema doutrinário característico da Igreja como instituição monopolizadora de legitimidade das práticas religiosas e que propicia a formação não de seguidores e discípulos, mas a constituição de uma congregação de leigos.

              O profeta, diferentemente do sacerdote, não é um administrador do culto. A sua situação, como lembra Weber,


não corresponde, em geral, aos interesses daqueles que administram o culto, os quais por isso procuram, quando e onde possível, passar para a formação de uma congregação, isto é, de uma relação associativa duradoura entre os adeptos, com direitos e deveres fixos.10     


            O profeta, por não passar pela formação doutrinária de uma instituição, é definido levando-se em conta o processo de monopolização da gestão religiosa pela Igreja, como um leigo ou profano, verdadeiro desprovido do capital de autoridade propriamente religioso: “o profeta ético e exemplar, em regra, é ele mesmo leigo e, em todo o caso, apoia sua posição de poder sobre o grupo de adeptos leigos”11 que não constituem, necessariamente, uma congregação organizada de fiéis, justamente por faltar, por exemplo, a “cotidianização, quando o próprio profeta ou seus discípulos asseguram a continuidade da revelação e da administração da graça.”12      Quando se trata da profecia ou de práticas religiosas não reconhecidas como tais pela Igreja, a regra geral é a livre relação ocasional.

             O objetivo deste texto é justamente denotar uma relação de equivalência entre o Estado (enquanto instituição burocrática encarregada de garantir a autoridade dos títulos universitários) e a Igreja (enquanto instituição hierárquica e burocrática encarregada de garantir o capital de autoridade religiosa dos títulos eclesiásticos).

            Neste caso, é possível observar uma relação de homologia entre os sacerdotes e os acadêmicos providos dos títulos mais nobres reconhecidos pela ordem universitária: no que concerne aos efeitos engendrados pela posse de títulos universitários, a relação de homologia pode ser construída no que diz respeito aos efeitos essencialistas. Em outras palavras, como lembra Bourdieu, os detentores dos títulos de nobreza cultural, ou seja, dos diplomas escolares e universitários,


Diferentemente dos detentores de um capital cultural desprovido da certificação escolar que, a todo o momento, podem ser intimados a apresentar seus comprovantes, por serem identificados apenas pelo que fazem, simples filhos de suas obras culturais, os detentores de títulos de nobreza cultural – neste aspecto, semelhantes aos detentores de títulos nobiliárquicos, cujo ser, definido pela fidelidade a um sangue, solo, raça, passado, pátria e tradição, é irredutível a um fazer, competência ou função – basta-lhes ser o que são porque todas as suas práticas valem o que vale seu autor, sendo a afirmação e a perpetuação da essência em virtude da qual elas são realizadas. Definidos pelos títulos que os predispõem e os legitimam a ser o que são, que transformam o que fazem na manifestação de uma essência anterior e superior a suas manifestações (...) 13    
 

            Diferentemente dos autoditadas desprovidos dos títulos escolares e acadêmicos, os detentores dos raros títulos universitários não devem provar a todo o momento a posse real de um determinado capital cultural, pois o título garantido pela instituição universitária tende a engendrar os efeitos essencialistas de constituir o possuidor enquanto o detentor real de determinado capital cultural irredutível a necessidade da constante submissão a prova. Tais títulos, assim como os títulos eclesiásticos, possibilitam fazer existir o que eles enunciam em conformidade com o enunciado, tratando-se de um efeito performativo da palavra autorizada e materializada no título escolar e/ou universitário.

            É preciso frisar que os profetas ocupam uma posição, no interior das lutas no campo religioso, que se contrapõe tacitamente a ordem eclesiástica. E a relação monopolística engendrada pela dominação propiciada pelas grandes religiões tende a excluir como religião todas as práticas que não estejam conforme as regras por tal ordem produzidas e impostas. A própria existência de uma profecia já constitui, em certa medida, uma “resistência” a ordem eclesiástica dominante, ela desafia a própria hierarquia.

            No caso dos universos escolar e acadêmico, é possível observar uma relação de homologia na medida em que a instituição acadêmica tende a definir a sua cultura e a forma, por ela vinculada, de se relacionar com a cultura como “as” maneiras legítimas, contribuindo, assim, para a desvalorização de todas as culturas e formas de com elas se relacionar que não estejam de acordo com os esquemas inculcados pela instituição universitária e escolar.


O curso ex cathedra  transmite algo distinto e a mais do que reza seu conteúdo literal: ele propõe um exemplo de proeza intelectual, e acaba por definir de modo inescapável a cultura legítima e a relação legítima com esta cultura. A seriedade e o brilho, a elegância e a naturalidade, eis algumas das qualidades que definem maneiras próprias ao ato de transmissão que marcam a cultura transmitida e impõe-se, junto com tal cultura, àqueles que a recebem mediante tais modalidades. Poder-se-ia mostrar igualmente de que modo todas as práticas pedagógicas propõem implicitamente o modelo da modalidade adequada da atividade intelectual.14  
               
    
            É neste sentido que pode-se pensar uma relação de homologia na medida em que as instituições escolar e universitária contribuem para ratificar, por meio dos títulos reconhecidos pelo Estado,  uma determinada cultura (a cultura da classe dominante econômica e intelectual) como a cultura legítima. Tratando-se, no caso, de instâncias que monopolizam o trabalho de definir determinada cultura particular como universal.

Trata-se de um trabalho, aquém de um plano explicitamente e conscientemente deliberado para tal, de definição,  tanto da cultura quanto da forma de com ela se relacionar, como legítimas. No caso do campo religioso, observa-se a homologia no que concerne ao processo de monopolização, atrelado ao trabalho de racionalização pelos sacerdotes, da definição da relação legítima com o sagrado.

Neste caso, assim como a religião se coloca como a mediadora na relação com o sagrado, as instituições escolar e universitária seriam a mediadoras na relação com a cultura. Assim como a ordem religiosa contribuiu para se estabelecer a distinção entre os competentes oficiais (os sacerdotes) e os leigos (ou seja, os que estão desprovidos dos títulos reconhecidos, incluindo aí os próprios profetas), as instituições escolar e universitária contribuem para se fortalecer a distinção entre os cultos e os leigos (verdadeiros profanos e não reconhecidos pela ordem acadêmica). 

            E enquanto instâncias que contribuem para a ratificação e a oficialização de uma determinada cultura ( a cultura da classe dominante) e da forma de com ela se relacionar ( a forma legítima) elas podem cumprir suas funções sociais mais nobres de produção, como faz a religião ( a propósito dos dominantes), de uma verdadeira “teodiceia de sua boa sorte.”15 Ou seja, uma verdadeira teodiceia da sorte dos dominantes.       
           

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1.     WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Vol. I. Trad. Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª Ed. 3ª reimpressão – Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2012. P. 279
2.       WEBER, Max. Ibid
3.       BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento. Trad. Daniela Kern; Guilherme J. F. Teixeira. 2ª ed. Rev. – Porto Alegre, RS: Zouk, 2011. P. 28-29
4.       WEBER, Max. Economia e sociedade. P. 294
5.       WEBER, Max. Economia e sociedade. P. 295
6.       WEBER, Max. Ibid
7.       WEBER, Max. Economia e sociedade. P. 303
8.       BOURDIEU, Pierre. Gênese e estrutura do campo religioso. In: Economia das trocas simbólicas.  Trad. Sergio Miceli. – São Paulo: Perspectiva, 2009.  P. 59
9.       WEBER, Max. Ibid
10.    WEBER, Max. Economia e sociedade. P. 310
11.    WEBER, Max. Economia e sociedade. P. 313
12.    WEBER, Max. Economia e sociedade. P. 311
13.    BOURDIEU, Pierre. A Distinção. P. 27-28
14.    BOURDIEU, Pierre. Sistemas de ensino e sistemas de pensamento. In.: Economia das trocas simbólicas. P. 219
15.    WEBER, Max. Sociologia das religiões. Trad. Cláudio J. A. Rodrigues. – 1.ed. – São Paulo: Ícone, 2010. P. 14







Foto de Max Weber

domingo, 4 de maio de 2014

Sobre "A conduta na Pesquisa" de Abraham Kaplan





Por Danilo José Viana da Silva



Livro interessante, mas que parece ser pouco conhecido por essas bandas. Um dos pontos que merece destaque é justamente a crítica à imagem idealizada da pesquisa, a qual é caracterizada pela crença na capacidade de reconstrução lógica e completa de todos os complexos atos de pesquisa. Ou seja, Kaplan afirma que boa parte daquilo que constitui uma pesquisa propriamente científica se dá em uma “lógica-em-uso” ou, como ele algumas vezes chama, “i-lógica-em-uso” que é inapreensível por completo pela reconstrução retrospectiva e lógica dos atos da investigação.  Como ele mesmo chega a lembrar: “os incidentes mais importantes do drama da ciência são montados em algum lugar por detrás das  cortinas. A  ampliação  do  conhecimento é,  sem  dúvida, básica  para  a   empresa científica mesmo de um ponto de vista lógico. A reconstrução convencional oferece o resultado, mas permanecemos ignorantes do enredo. Em segundo lugar, uma lógica reconstruída não é descrição, mas idealização da prática científica. Nem mesmo o maior dos cientistas possui um estilo cognitivo que seja inteira e perfeitamente lógico e a pesquisa mais brilhante continua a trair divagações que são demasiado humanas.”( KAPLAN, Abraham. A Conduta na Pesquisa: Metodologia para as Ciências do Comportamento. Trad. Leônidas Hegenberg e Octany Silveira da Mota. – São Paulo: E.P.U. Ed. da Universidade de São Paulo. 2ª Reimpressão, 1975. P. 12-13)  A crença na capacidade da completa reconstrução lógica dos atos de pesquisa além de reproduzir uma imagem mutilada da própria pesquisa, acaba contribuindo para se reproduzir tanto a ilusão do completo esgotamento de tudo o que foi feito (mas também de tudo o que deve ser feito, tal como acontece com a ilusão do metodologismo, o qual tem como um de seus efeitos a dogmatização da realização científica)  na pesquisa pelo próprio pesquisador quanto para alimentar a ilusão de que tudo o que acontece na prática científica se dá de forma bem ordenada e não contraditória.  Kaplan mostra a importância de se levar em conta o modus operandi científico que acaba sendo reduzido, em virtude de um apego excessivo a lógica reconstruída e a metodologia, a um opus operatum. Contra o que ele chama de “mito da metodologia” (que consiste em acreditar que a metodologia é condição suficiente para a realização científica) e a imagem idealizada da pesquisa (imagem que, mediante a crença na autossuficiência da lógica reconstruída, acaba ignorando a complexidade da investigação), aqui está um livro relevante. Em suma, Kaplan argumenta que a pretensão da completa reconstrução lógica de todo o enredo de uma pesquisa corresponde a uma reprodução da visão idealizada da lógica da ciência que, por não conseguir captar aquilo que ela acha que conseguiu, acaba reproduzindo o que seria a pesquisa em seu refino e pureza, deixando de lado o modus operandi da e na prática cientifica.  Livro interessante, já está esgotado, mas ainda há alguns na estante virtual.