segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Assar castanhas: um saber não escolar.




Por Danilo José Viana da Silva


        Uma das últimas e mais agradáveis experiências pelas quais passei foi sentir o cheiro de castanha de caju sendo assada. Esse cheiro me fez relembrar os vários momentos de aprendizagem não escolástica com a minha falecida avó no sitio  que para mim (um garoto de dez anos) constituía o melhor de todos os mundos possíveis, onde ela morava com o meu avô. 

        Ela me ensinou como assar uma “cacada de castanhas”, não como os professores da escola, mas como um tipo de artesã que no momento de transmitir os seus conhecimentos práticos, o faz através do gesto, da prática de uma espécie muito particular de conhecimento que só pode ser adquirido através da constante prática. As lembranças que subitamente esse cheiro me proporcionou me fez lembrar a forma como Proust pensava no quanto pode ser inútil tentarmos reviver o passado através de uma atividade intelectual. Como ele mesmo escreve, “é trabalho baldado procurar evocá-lo, todos os esforços de nossa inteligência serão inúteis. Está escondido, fora de seu domínio e de seu alcance, em algum objeto material (na sensação que esse objeto material nos daria), que estamos longe de suspeitar.”  (PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdido: no caminho de Swann. ) 


          Aquele cheiro me fez reviver subitamente todo um conjunto de experiências pelas quais passei no sitio de minha avó e que existiam em estado recalcado, que “haviam perdido a força de expansão que lhes teria permitido alcançar a consciência”, diria Proust, por todo um processo de aprendizagem escolar e acadêmico que me treinou gradativamente em seus jogos, com suas provas e exercícios gratuitos que contribuíram para me afastar cada vez mais das experiências do “gosto”, do “sabor” de se comer uma manga no pé, do “prazer” em procurar pelo cheiro uma jaca madura (a caça vale tanto quanto a lebre, diria Pascal) para subir na jaqueira e retirá-la sem a ajuda de nenhuma faca para depois descer com o seu talo entre os meus dentes, da “alegria” de constatar que, ao assar uma “cacada de castanhas” de caju, não tinha queimado uma grande quantidade delas... 


        E também me fez reviver, o cheiro, sempre o cheiro, as broncas amorosas da minha avó quando via que eu quebrava as cascas das castanhas e imediatamente as comia: isso fazia com que as suas esperanças de que eu conseguisse juntar um certo pecúlio de castanhas descascadas para fazer um possível pé de moleque fossem frustradas. 


          Esse cheiro me fez lembrar das minhas várias habilidades em subir em árvores, em ter o devido cuidado com as casas de marimbondos, com os cavalos do cão, serpentes... enfim, de todo um conjunto de conhecimentos práticos (e que só podem ser adquiridos pela constante prática) dos quais tinha me esquecido. Não ignoro o quanto  a experiência escolástica e acadêmica dos exercícios gratuitos contribuiu bastante para esse processo de esquecimento desse tipo de conhecimento inacessível pela inteligência escolar e acadêmica.